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OMBUDSMAN
Furo natimorto
BERNARDO AJZENBERG
Eis um caso raro e curioso.
Na quarta-feira, a Ilustrada
publicou em sua capa uma reportagem que exibia, com exclusividade, os inéditos números de
medição de audiência de televisão de um novo instituto, o Datanexus, fruto de uma parceria
entre o SBT e a empresa de um
cientista político. Fato histórico:
pela primeira vez em décadas,
uma aferição ampla surgia para
se contrapor ao tradicional domínio do Ibope nesse setor.
O texto, intitulado "Ibope do
SBT coloca em xeque audiência
da Globo", comparava números
dos institutos e anunciava, logo
de cara: "Financiado pelo SBT, o
Datanexus, novo instituto de
pesquisa de audiência de televisão, será lançado hoje...".
No mesmo dia, em outro caderno, Cotidiano, saía uma reportagem com o seguinte título:
"Impasse cancela novo medidor
de audiência".
Ela revelava que a tal parceria
implodira devido a negociações
frustradas entre as partes e que o
lançamento do Datanexus,
anunciado pela Ilustrada páginas adiante, fora cancelado.
Até aí, tudo muito esquisito,
mas não necessariamente absurdo: a informação do cancelamento só chegou ao jornal no começo da noite de terça (18h40),
quando a Ilustrada, que "fecha"
no início da tarde, já não podia
sofrer alteração.
Nesse caso, os jornalistas, que
tanto reclamam -com razão-
das dificuldades por vezes impostas pelos prazos da operação
industrial do jornal, acabaram
usufruindo deles para tentar remediar, na mesma edição, um
erro que já estava impresso.
Com efeito, melhor anunciar a
atualização do tema em outro
caderno do que deixar para fazê-lo apenas na própria Ilustrada do dia seguinte.
A iniciativa correta, porém,
não deve ocultar a ocorrência de
dois problemas sérios.
O primeiro é que leitores que,
por algum motivo, não lêem ou
não leram naquele dia o Cotidiano receberam da Folha, via
Ilustrada, a informação de um
lançamento, dada de modo taxativo, que simplesmente evaporou. Como comentei em crítica
interna, faltou uma menção ao
caso na Primeira Página e até
mesmo um "Erramos" que esclarecesse o imbróglio. Tais medidas ajudariam a atenuar a confusão criada
Mas há outra lição, de fundo, a
ser tirada do episódio.
Ocorre que a reportagem original da Ilustrada se baseou apenas num lado da parceria, o
cientista político Carlos Novaes,
presidente do Datanexus.
O SBT, parceiro que bancara
todo o projeto, investindo nele
R$ 4 milhões, não fora ouvido
para confirmar o lançamento
-bem o SBT, comandado por
um empresário, Silvio Santos,
que, reconhecidamente, para o
bem ou para o mal, tem o hábito
de fazer mudanças bruscas na
direção de sua emissora sem avisar ninguém.
À leitura da reportagem de
Cotidiano, que procurou desvendar a crise, descobre-se, no
entanto, que uma sucessão de
desavenças, atiçadas por propostas que o SBT fazia e que Novaes
recusava, havia eclodido entre as
partes ainda na tarde de segunda-feira (a Ilustrada "fechou" às
13h40 de terça).
Subentende-se no texto que o SBT claramente procurava, já então, pretextos
para limar o lançamento.
Esses impasses, mesmo tendo
sido aparentemente superados
de modo momentâneo, deveriam aparecer já na reportagem
da Ilustrada -ou ao menos levá-la a anunciar o lançamento
de modo condicional (deve ocorrer, está previsto etc).
Por que isso não foi feito?
Simplesmente porque o caderno não tinha sido informado a
respeito dos atritos pela única
fonte que ouviu -e aí está o
problema.
Houve omissão deliberada ou
manipulação do jornal por parte
dessa fonte? Seria grave afirmá-lo sem provas.
O furo noticioso existiu? Sim, e
é, evidentemente, meritório; foi
batalhado pela reportagem; não
caiu do céu.
Os dados da pesquisa de audiência do instituto que nasceu
morto -independentemente da
discussão, que não cabe aqui, sobre sua confiabilidade (ou não),
posto que bancados sem auditagem por uma emissora- são
úteis? Claro, mesmo em termos
especulativos.
Mas isso tudo acabou manchado pelos fatos e pelo deslize
de anunciar com exclusividade a
suposta estréia de um material
tão relevante e tão explosivo comendo (cru) das mãos de uma
fonte só.
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