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OMBUDSMAN
Grampos e peixes
BERNARDO AJZENBERG
Raras vezes uma reportagem
concentrou tantas questões
sobre jornalismo quanto a da
"Veja" da semana passada sob o
título "Os bastidores de uma
guerra". O que trazia esse texto?
Com base na transcrição de
gravações ao que tudo indica ilegais, o material revelava:
1) a articulação "suja" de um
combate a um rival no campo
dos negócios de telefonia celular;
2) o uso da imprensa por empresários para atacar opositores; 3) a
tentativa de "acertos" entre um
órgão de comunicação e autoridade política.
Os protagonistas: o empresário
Nelson Tanure, dono do "Jornal
do Brasil", aliado da canadense
TIW na disputa com o banco Opportunity (Daniel Dantas) pelo
poder na holding de telefonia celular Telpart (Telemig e Telenorte); seu assessor Paulo Marinho; e
o jornalista Ricardo Boechat, até
então de "O Globo". O político?
Jader Barbalho.
Nas conversas,Tanure e Marinho tramam contra Dantas; Marinho e Boechat se acertam quanto a uma matéria anti-Opportunity que sairia no dia seguinte (16
de abril); e, no terceiro diálogo,
Tanure e Marinho conferem os
resultados de conversas não só
políticas, segundo a revista, entre
o "JB" e o presidente do Senado.
O uso do grampo
A primeira questão polêmica se
refere à própria publicação da reportagem: é legítimo usar grampo como material jornalístico?
Apesar da nociva banalização
desse recurso nos últimos anos,
apesar do risco de manipulação a
que se sujeita a imprensa ao adotá-lo, a resposta é "sim", com ressalvas: o assunto tem de ter interesse público, novidade e relevância; a gravação precisa ter autenticidade comprovada; a edição
deve garantir pluralidade.
Em vez de tecer uma regra contra os grampos ou a favor deles, o
ideal é analisar caso a caso, com
cautela e responsabilidade.
Vale mencionar a decisão tomada em 21 de abril pela Suprema Corte dos EUA, com base
num caso de 1993 na Pensilvânia,
a favor da divulgação, por uma
rádio, de gravações clandestinas
feitas por terceiros (não pela imprensa, claro).
O argumento básico dos juízes,
ali, foi de que a liberdade de imprensa e o direito à informação
-sendo o assunto de interesse
público- deveriam prevalecer
sobre o direito à privacidade.
É o caso da reportagem da "Veja". Embora se trate de batalha
empresarial, as partes conflitantes (da área de comunicações)
possuem interesse público.
Fonte e repórter
A segunda questão se refere à
conduta de Boechat, um dos mais
importantes colunistas do país.
O diálogo com Marinho mostra
que ele submeteu seu texto -o
qual adiantava uma manobra
que seria feita pelo Opportunity
no dia seguinte ao da publicação,
em oposição a interesses do grupo
TIW, ou seja, possuía caráter nitidamente unilateral-, lendo-o
ao interlocutor.
No programa "Observatório da
Imprensa", terça-feira, o jornalista admitiu que a matéria lhe fora
enviada por Marinho e que ele
(Boechat) apenas a "ajeitou".
Em sua defesa, argumentou
que se trata de "ação corriqueira", que ler textos para fontes é
parte do jogo, tendo sido exagerada a atitude de seu jornal de
demiti-lo.
Que um repórter leia trechos a
um especialista para checar uma
declaração ou aspectos técnicos,
vá lá. Mas não é o caso aqui.
E, se esse exemplo de Boechat é
mesmo "corriqueiro" -texto
programado para atender a interesse claro, mais a submissão de
leitura ao interessado- , as coisas não vão bem nas redações.
Ameaça à independência
Ressalte-se uma terceira questão: a ameaça que a crescente fusão entre imprensa e grupos econômicos com interesses espalhados por diversas áreas representa
para a independência editorial.
Ao editar na segunda-feira a
sua "repercussão" da reportagem
da "Veja", o "JB" mostrou como
as coisas podem ser perigosas
nesse terreno.
Em vez de destacar as ações de
Tanure (seu proprietário) contra
Dantas, objeto principal da reportagem, transformou Boechat
-peixe pequeno em relação aos
demais- e sua demissão do
"Globo" no principal assunto.
Reproduziu o diálogo entre ele
e Marinho, mas não os ocorridos
entre Tanure e seu assessor. Para
as conversações de sua cúpula
com Jader, sobraram poucas linhas em pé de página.
O mínimo que se espera desse
episódio é que os repórteres reflitam sobre métodos de apuração e
relacionamento com fontes; e que
os jornais atentem mais para a
manipulação de que podem ser
vítimas ou co-autores (até à revelia) ao lidar com a indústria de
grampos e estimulá-la.
Para os leitores, a cada dia que
passa ficam mais transparentes
certas impropriedades cometidas
pela imprensa -o que é bom e
pode servir para melhorá-la.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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