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OMBUDSMAN
Mão de Deus
BERNARDO AJZENBERG
Desde 21 de agosto até a última sexta-feira, não saiu
uma única edição da Folha em
que não houvesse ao menos uma
reportagem ou alguma referência destacada ao filme "Cidade
de Deus", que estreou, justamente, há dois dias.
Isso sem falar no material intermitente, mas regular, publicado pelo jornal desde que a
obra foi exibida em sessões reservadas para o presidenciável Luiz
Inácio Lula da Silva (6/8) e para
o presidente Fernando Henrique
Cardoso (10/8).
Não foi uma obsessão que teria
tomado conta do caderno cultural (Ilustrada), mas uma febre
que se espalhou discretamente,
aos poucos, por todo o jornal.
Veja no quadro ao lado como
isso se deu, por exemplo, ao longo da semana passada.
Domingo: reportagem em Dinheiro sobre um sistema de microcrédito existente na favela Cidade de Deus, com texto à parte
sobre o filme.
Na segunda-feira, o Folhateen
trouxe capa sobre violência na
periferia tomando a obra como
"gancho".
Terça-feira: um anúncio promovia o concurso "Ilustrada leva você para assistir Cidade de
Deus". O prêmio: dois ingressos
para ver o "aplaudido filme".
Quarta-feira, na seção "Eu Voto em..." do caderno Eleições, o
diretor da obra revelava sua preferência eleitoral.
Quinta-feira: o Fovest (suplemento semanal para o vestibular) dá a dica do filme na seção
"Em dia".
Finalmente, na sexta, capa e
página 3 da Ilustrada, mais uma
resenha no Guia da Folha, para
a aguardada estréia.
Capilaridade
Nada contra o filme, que ainda
não vi e tem recebido elogios.
O que chama a atenção, nesse
caso, é como uma produção cultural, apoiada no casamento
com um tema atualíssimo (violência/miséria) e num marketing hollywoodiano, consegue
adentrar um veículo de comunicação por todos os poros, capilarmente, seguidamente, sem
que o próprio veículo, por se fabricar de modo em grande parte
atomizado, pareça se dar conta.
Quarta-feira, além da seção
em Eleições, também a Ilustrada publicou algo sobre o trabalho, mas criticamente, com um
rapper da própria Cidade de
Deus acusando-o de ser "preconceituoso". Na sexta-feira, dia da
estréia, uma antropóloga, no
mesmo caderno, o considerava
"equivocado".
Mas nem esse "afastamento"
resolve o problema. De certa forma, apenas legitima a operação,
dando-lhe um ar de "equilíbrio".
E fica difícil explicar para o leitor
que não haja aí uma espécie de
orquestração entre produção do
filme e jornal.
Esse é o fenômeno -e cabe
deixar claro que ele não ocorre,
nem de longe, apenas na Folha.
E o problema, qual é?
É que essa enxurrada multifacetada de informações sobre um
mesmo produto, sem dosagem
controlada, expressa a vulnerabilidade do jornal perante um
modelo tentacular de divulgação e pressão -sutil e adocicado
aqui, agressivo e prepotente
ali- adotado com crescente sofisticação pela chamada indústria cultural.
Por melhor ou mais necessária
que seja uma obra de arte, faz
sentido que um jornal a absorva
em suas páginas feito esponja,
indiscriminadamente?
Ao fazê-lo, não pode dar a impressão -nefasta para sua credibilidade- de estar instrumentalizado, refém de uma lógica promocional alheia ou de
aplaudir o lobby?
Em tempo: se você usa a internet e quer saber "tudo sobre o filme", entre na Folha Online, pois
também lá -é isso mesmo- há
uma página especial só para ele.
No último domingo, você foi
informado pela Folha de que a
apresentação de Caetano Veloso
no parque Ibirapuera (São Paulo), sábado, atraiu, segundo os
organizadores, 120 mil pessoas.
Outros jornais falaram em 80
mil pessoas, com base na Guarda Metropolitana. Uma diferença de "apenas" 40 mil cabeças.
Em qual número acreditar?
Em casos como esse, de multidões, é sempre recomendável informar ao leitor, quando houver,
os dados de pelo menos duas
fontes -algo que não foi feito
nem pela Folha nem pelos concorrentes.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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