São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002 |
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Alguém de olho
A foto acima, do traficante Ratinho, preso no Rio por envolvimento na morte do jornalista Tim Lopes, foi publicada pela Folha terça-feira (27), mas apenas na edição Nacional. Como se vê, nela os policiais forçam o preso a levantar o rosto e exibi-lo à imprensa. Ao seu lado, editou-se, além da reportagem principal, um texto intitulado "Policiais obrigam o criminoso a mostrar o rosto". Pois essa imagem, que apareceu também nos principais jornais do país, foi trocada, na edição que vai para SP e o DF, por uma mais "tradicional", em que Ratinho está em pé, cabeça abaixada, ninguém a importuná-lo. Quanto ao texto, sumiu, resumindo-se a duas linhas sob a nova foto o fato de que agentes o obrigaram a levantar o rosto para ser fotografado e filmado. A troca foi uma opção do editor de Fotografia, Eder Chiodetto, achando de mau gosto a imagem inicial e que a prioridade da notícia era a prisão do traficante, não a atitude da polícia. "Mantive a informação mais importante e poupei o leitor de uma imagem que beirava o repugnante", explica o editor. Por problemas de comunicação, segundo informa a Secretaria de Redação, essa decisão não foi discutida com o editor de Cotidiano, Nilson de Oliveira, que, ao contrário, avalia que a foto deveria ter sido mantida ao lado da informação de que a polícia obrigara Ratinho a exibir-se. Como se vê, é questão polêmica, mesmo dentro da Redação. Em especial desde a morte de Tim Lopes (junho), estabeleceu-se entre imprensa (ao menos boa parte dela) e polícia uma espécie de cumplicidade perigosa, que faz com que a primeira aplauda e veja até com naturalidade ações claramente irregulares ou ilegais da segunda. Para Luís Francisco Carvalho Filho, advogado criminal e articulista da Folha, com quem conversei sobre o tema, "o medo da violência tem feito com que a sociedade tolere de um lado ações clandestinas da polícia (como no caso do Gradi) e de outro o espetáculo da publicidade policial (como no caso Tim Lopes)". Considero que a foto inicial, mesmo sendo chocante, não atinge o patamar do impublicável. Ao mesmo tempo, retrata com nitidez uma atitude policial irregular -já que, pela lei, o preso não é obrigado a exibir-se. Lugar de bandido é na cadeia, como se diz. Isso não está em questão. Mas há de haver um limite de tolerância em face de ações ilegais da polícia. Este é o sentido, por exemplo, das reportagens que o jornal publica desde o final de julho sobre ações do grupo especial denominado Gradi, da PM paulista. Alguém tem de estar de olho nisso -e uma das funções do bom jornalismo, sem dúvida, passa por aí. Nesse caso concreto, a foto que você vê acima e o respectivo texto -ambos eliminados na edição SP/DF- representavam algo nessa direção. Texto Anterior: Bernardo Ajzenberg: Mão de Deus Índice Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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