São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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OMBUDSMAN
Notas de urna

RENATA LO PRETE Passei boa parte da quinta-feira ao telefone. Do outro lado vinham protestos contra a reportagem que apresentou os perfis e as propostas de 25 dos 1.087 candidatos à Câmara Municipal de São Paulo.
Os descontentes eram, em sua maioria, postulantes ao cargo de vereador não mencionados na lista. Mostraram-se ainda mais decepcionados quando eu disse que, embora compreendesse a insatisfação dos excluídos, não condenava a iniciativa da Folha.
Explico. Ao longo da campanha, testemunhei a demanda do leitor por essa orientação, fruto tanto do desconhecimento que costuma cercar a eleição da Câmara quanto dos escândalos associados à atual legislatura.
Nem tudo o que o leitor quer pode ou deve ser feito, mas no caso a solicitação me parece procedente.
Não havia como retratar todos os nomes inscritos na disputa, nem era esse o caráter do serviço, assumidamente seletivo.
Os critérios da escolha foram explicitados. "Levantamento com entidades da sociedade civil, dirigentes partidários e autores de artigos publicados na seção "Tendências/Debates'" conduziu a uma relação de nomes que, "na avaliação do jornal, são portadores de propostas que merecem reflexão e debate".
Observo, no entanto, que a operação envolve mais risco do que sugere a "Nota da Redação" editada na página 3 de sexta-feira, após cartas de quatro preteridos e de uma leitora satisfeita com a reportagem.
"A Folha procurou oferecer aos eleitores subsídios para uma escolha consciente", disse o jornal. Certo.
"A lista não significa um atestado irrefutável de qualidade dos nomes apresentados." Irrefutável não, mas sem dúvida um atestado de qualidade, concedido a três dias da votação.
Hoje, pode-se cobrar do jornal a injustiça cometida contra candidatos igualmente qualificados -e eles por certo existem.
No futuro, se algum dos agraciados frustrar a expectativa do eleitor, a responsabilidade será também da Folha.
"Tucano ignorou alerta de fraude, diz diretor." O tucano em questão é Geraldo Alckmin. A reportagem, publicada na segunda-feira, é exemplo de denúncia requentada às vésperas de eleição.
O próprio texto reconheceu que a suspeita de irregularidades em licitações para privatizar rodovias paulistas é coisa sabida. Circula na praça desde 1998 e já foi registrada pelo jornal.
A novidade, no entender da Folha, é que um diretor da Dersa afirmou ter feito as informações chegarem a Alckmin "por intermédio de um conhecido comum cujo nome prefere não revelar", antes de o caso aterrissar no Ministério Público.
No espaço destinado ao "outro lado", o candidato a prefeito disse não conhecer o diretor nem se lembrar de ter sido procurado em nome dele.
Diante do telefone sem fio valorizado pelo jornal, não há como deixar de ver razão na carta de Alckmin que o "Painel do Leitor" trouxe dois dias depois.
"O repórter da Folha escreveu quase uma página baseado num diz-que-diz-que. Um diretor de uma empresa estatal, que teria falado com um amigo, que teria me alertado. Sem o nome de quem disse, sem provas, sem nada que pudesse atestar a veracidade dos fatos."
"Na base do amigo que disse que outro amigo falou, seria possível levantar suspeita sobre a honra e a honestidade de qualquer pessoa."
Leitores observaram que, na "Nota da Redação" destinada a sustentar o material publicado, a Folha não respondeu a esse questionamento.
Autor da reportagem, o jornalista Mario Cesar Carvalho discorda das críticas.
"Quem diz ter alertado Alckmin da suspeita de fraude não é uma fonte qualquer. É um diretor da Dersa que antecipou os vencedores de cinco licitações para a privatização das principais estradas do Estado."
Mesmo sem embaraço adicional, um "diz que" tem alcance limitado. A situação piora bastante quando "alguém diz que alguém disse", e nem sabemos quem é a pessoa que teria dito. É fragilidade demais para tanto alarde.
A Folha pratica um jornalismo crítico. Está no "Manual da Redação". O problema é que a aplicação desse princípio à cobertura eleitoral está longe de ser homogênea.
Lembro de uma edição recente que relatava, lado a lado, eventos das campanhas de Marta Suplicy, Paulo Maluf e Luiza Erundina.
Cada frase do candidato do PPB foi rebatida pelo repórter.
Nada de errado nisso, não fossem as reportagens sobre Marta e Erundina um passeio para ambas, do tipo em que o jornalista sai de cena e deixa o gravador trabalhar sozinho.
Exemplo mais contundente surgiu na edição de quinta-feira, quando foram publicados os perfis dos vices das cinco principais chapas. Chamava atenção o contraste entre os textos dedicados a Hélio Bicudo e Campos Machado.
O jornal fez visível esforço para pegar no pé do vice de Marta. Primeiro, notando que ele "passou 28 dias da campanha fora do Brasil" (Bicudo preside a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA).
Depois, apontando incongruência em sua declaração de bens, acusação que ele desmontou no "Painel do Leitor" do dia seguinte.
Na comparação, a biografia do vice de Alckmin chegava a ser suave. O que de mais problemático se encontrou para destacar é que o petebista se considera "filho de Jânio Quadros".
Qualquer pessoa que começou a ler jornais antes da semana passada sabe que existe algo estranho em uma edição que faz graça com Campos Machado enquanto acusa Hélio Bicudo de mentir à Justiça Eleitoral.



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