São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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OMBUDSMAN

Os nós da Varig

BERNARDO AJZENBERG

A Varig vive, aos 75 anos, uma grave crise, talvez a pior de sua história.
Acumula dívida de US$ 900 milhões. Só no primeiro semestre do ano, teve prejuízo de R$ 1,041 bilhão. A ocupação média dos vôos está em torno de 60%.
Os credores pressionam e ameaçam. O Senado discute o problema. O BNDES, banco estatal voltado para o fomento de empresas, admite algum socorro, desde que a companhia faça uma profunda reestruturação.
As divergências sobre a solução para a penúria são radicais, opondo, de um lado, a Fundação Ruben Berta (FRB), controladora da empresa, e, do outro, o seu Conselho de Administração. Houve duas trocas de presidente desde agosto.
Tudo isso demonstra que o tema é tão grave quanto polêmico.
Na terça-feira, num texto intitulado "A marcha da insensatez", Luís Nassif criticou a posição da FRB, que em assembléia no último dia 22 vetou um entendimento costurado pelo Conselho com os credores e o BNDES para "salvar" a empresa.
Na quarta, em texto chamado "No ar", Janio de Freitas fez o oposto: elogiou a recusa do plano por parte da Fundação.
Não vou expor nem discutir os argumentos dos dois colunistas -ambos integrantes do Conselho Editorial da Folha-, mas ressalto a existência da polêmica para destacar um outro problema: até que ponto o leitor entende o que se passa com a empresa pioneira da aviação no país, uma espécie de símbolo nacional ameaçado de sumir do mapa?
Teria o jornal fornecido fatos e história o suficiente para que ele, ao ler, por exemplo, as opiniões dos colunistas, pudesse chegar a um julgamento próprio, básico que fosse, sobre a questão?
O embate entre a FRB e o Conselho e a preocupação do governo com a Varig têm sido noticiados. Mas nenhuma explicação foi publicada -e isso vale para o conjunto da mídia- quanto às origens, causas, evolução de tamanho "buraco" da Varig, a qual não dá lucro desde 1997.
De onde vem o rombo? Como foi possível chegar a essa situação? Onde reside o principal das divergências internas na Varig?
Sem esses dados elementares, o leitor fica desarmado para entender os nós da Varig.

Superficial
A surpreendente descoberta, desde o final de 2001, das bilionárias fraudes contábeis cometidas por empresas dos EUA (Enron, WorldCom, por exemplo) revelou, entre várias coisas, o quanto a imprensa, mesmo a especializada, tem dificuldade para acompanhar, captar tendências e expor o mundo real das corporações.
Nada indica que o caso Varig inclua fraudes, mas o problema, do ponto de vista jornalístico, é o mesmo: a frágil e superficial cobertura feita sobre a vida e a saúde dessas instituições.
Muito se especula a respeito de como o governo eleito lidará com a força do BNDES. A tendência, dizem especialistas, é que o banco adquira ainda mais peso econômico e político.
Se a cobertura sistemática, técnica e com qualidade da situação das empresas já era relevante, agora será essencial -inclusive no que toca à relação delas com as instituições oficiais.
O manejo da crise da maior, mais tradicional e mais famosa empresa aérea do país pode ser um primeiro grande teste, nesse terreno, para o governo Lula.
Para a imprensa, porém, a prova já começou faz tempo -e a avaliação, até aqui, parece distante de uma nota dez.


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