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OMBUDSMAN
Títulos engajados
BERNARDO AJZENBERG
Um dos males que costumam
atingir o jornalismo é o tratamento unilateral das notícias
ou, em seu componente mais vistoso, a velha forçadinha de barra, para um lado ou para o outro, nos títulos das reportagens.
Na semana passada, foi possível reunir na Folha uma fornada de exemplos dessa última
prática, bem próxima da distorção. Em ordem cronológica:
"PT de São Paulo já contratou
R$ 566 mi sem concorrência", eis
o título de reportagem do domingo passado, segundo a qual
a prefeitura paulistana fez até
agora contratos pelo menos nesse valor sem concorrência pública para serviços e obras.
O problema não está no texto,
mas no título. Por mais que São
Paulo seja vitrine do PT -tendo
o partido que responder em
grande parte pelo que aqui ocorre, aspecto que comentei semana
passada-, não é ele o sujeito,
não é ele, nem poderia ser, o contratante. Ao confundir partido e
administração, o título ganha
conotação política anti-Lula.
Em direção semelhante vai o
título de uma chamada da capa
do jornal da última terça-feira:
"Mortalidade sobe em distritos
paulistanos".
A rigor, não há erro, mas veja o
detalhe da notícia: "O número
de bebês de até um ano mortos
em cada mil nascidos vivos aumentou em 38 dos 96 distritos
administrativos da cidade de
São Paulo entre 2000 e o ano
passado".
Ora, o fato ruim diz respeito a
uma minoria de distritos. Tudo
bem: ao usar "em" no lugar de
"nos", o título se resguarda, não
pode ser chamado de mentiroso.
Mas parece evidente que sua formulação genérica induz a uma
primeira leitura igualmente generalizante, neste caso, negativa
para a administração da capital
paulista.
O PIB
Manchete da quarta-feira:
"PIB cai pelo 2º trimestre consecutivo". Aqui o jornal jogou lenha na fogueira de quem o considera sempre disposto a realçar
"o lado negativo das coisas".
Peço licença ao leitor para me
alongar no caso a fim de tentar
deixar claro o problema.
Segundo o IBGE, a soma dos
bens e serviços produzidos no
país (o PIB) teve uma queda de
0,73% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2001. Como no último
trimestre do ano passado esse
dado também tinha sido negativo (-0,69%), daí a manchete.
Mas havia um detalhe: se comparado com os últimos três meses de 2001, este primeiro trimestre na verdade registrou um
crescimento (1,34%); além disso,
esperava-se uma redução maior,
pois no início de 2001 a economia estava, como se diz, bastante aquecida.
Esses dados, na visão de alguns
economistas, permitiriam até
mesmo certo otimismo. O que
explica, por exemplo, o título interno, no caderno Dinheiro
("Economia surpreende e PIB
piora pouco"), em cujo texto a
idéia de que houve duas quedas
consecutivas do indicador não
estava nem no "lide" (a abertura
da reportagem).
A inclinação pelo cataclismo
adotada pela manchete da Primeira Página da Folha fica mais
clara se se considera que, pelos
critérios dos analistas do mercado financeiro, uma queda do
PIB por dois trimestres consecutivos caracteriza uma recessão
(explicação esta dada pelo próprio jornal).
Para complicar mais: em outro
texto interno, nenhum dos especialistas ouvidos, apesar de serem analistas do mercado, bancou a idéia de estarmos numa
recessão.
Ora, se o jornal sabia disso, por
que optou por uma manchete
que, apesar de não ser mentirosa, poderia dar a entender justamente que estamos em recessão?
Mesmo na hipótese de que essa
fosse a opção correta, por que,
então, não inverter as prioridades dentro, no caderno Dinheiro,
em nome da coerência?
Ainda sobre esse assunto, cabe
anotar a manchete do "Estado
de S.Paulo", que também fez a
sua "opção", mas pelo extremo
exatamente oposto da informação: "Para IBGE, PIB dá sinais
de retomada".
Desemprego
O mesmo impulso negativista
se revelou, também quarta-feira,
no título da reportagem "Brasil é
o 2º do mundo em desemprego".
O texto mostrava que só a Índia tem mais desempregados,
em números absolutos, do que o
Brasil. Mas, diferentemente do
que o título dá a entender, em
nível de desemprego nosso país é
o 23º -o que é horrível, claro,
mas bem diferente de ser o vice-campeão.
Independentemente do valor
que merece ou não esse tipo de
estatística (o colunista Clóvis
Rossi, por exemplo, o questionou
na quinta-feira), o título dado
ao assunto pelo "Globo" era bem
mais preciso: "Brasil: segundo
em desempregados no mundo".
Ocorre-me, fora da ordem cronológica, outro título, de 22 de
maio: "BB e funcionários terão
de elevar contribuição para cobrir rombo da Previ".
Em resumo: diante do buraco
do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, discutia-se, diz o texto, a possibilidade
de seus participantes pagarem
mais do que pagam hoje para
poder garantir a sua aposentadoria.
Na verdade, porém, essa possibilidade era defendida, naquele
texto, por um membro do governo, enquanto o representante da
Previ, poucos parágrafos adiante, questionava a alternativa.
Ninguém em sã consciência será capaz de dizer que tudo vai
bem em administração pública,
mortalidade infantil, vida econômica ou desemprego. Mais
ainda: parece crescente a parcela
daqueles que pensam que tudo
já poderia estar bem menos mal
do que está.
Da mesma forma, para ficar
nos exemplos aqui mencionados, os leitores são capazes, sim,
de interpretar politicamente notícias relativas à administração
pública.
A realidade fala por si. Se conseguir retratá-la, nua e crua, o
jornal cumprirá com sua obrigação. Isso basta. Não há por que
"potencializar" os dados, ou, em
palavras mais simples, forçar a
barra.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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