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OMBUDSMAN
Insufilme na mídia
BERNARDO AJZENBERG
Quando se trata de escarafunchar a crise da aviação civil, das empresas de energia elétrica, de telecomunicações ou de qualquer outro setor
econômico em dificuldade, a
mídia é implacável.
Diariamente, os jornais competem entre si para ver qual
consegue noticiar antes e com
mais detalhes como andam as
dívidas, as negociações, as movimentações acionárias, as fusões, análises de especialistas,
os planos de empréstimos ou financiamentos, demissões, as
fraudes em balanços.
Algo diferente ocorre, porém,
quando ela própria -mídia- é notícia. Reinam, então, a superficialidade, as afirmações genéricas ou, simplesmente, a omissão total. Como
se o setor sentisse necessidade
de ocultar da sociedade, o público, a sua própria situação.
No dia 30 de setembro, as entidades representativas dos
jornais, das revistas e de rádio/TV divulgaram nota segundo a qual uma consultoria
começara a preparar um estudo sobre o setor a fim de formular uma proposta de financiamento específico, por parte
do BNDES (uma instituição do
governo), para as empresas de
comunicação. Alguns veículos
-dentre eles, a Folha- registraram, discreta e suscintamente, a informação.
Um mês depois, na última terça-feira (28/10), representantes
da mídia participaram de uma
reunião, em Brasília, com a direção do BNDES, ocasião em que
apresentaram "estudos" sobre o
setor com a sugestão de que ele
"possa também dispor de acesso,
por exemplo, a programas para
o equacionamento financeiro
das empresas e a programas
usuais de financiamento de investimentos".
O encontro foi noticiado, dentre os jornais do dia seguinte,
apenas pela Folha, "Valor" e "O
Globo". Mesmo nesses veículos
que deram a notícia, no entanto,
a transparência foi parcial, e
com diferenças curiosas.
Princípios
A Folha, depois de dizer que a
reunião foi entre dirigentes das
três entidades empresariais e o
banco, passou, apenas, a reproduzir a íntegra do comunicado
oficial das associações.
O "Globo" não deixou claro
quem participou da reunião,
mas também estruturou sua reportagem com base no mesmo
comunicado.
Já o "Valor" iniciou o texto dizendo que da reunião participaram "donos de jornais, TVs e revistas e representantes das associações da mídia brasileira em
geral", numa comitiva de "cerca
de" 12 pessoas.
Mencionou, nominalmente, a
presença de um representante
das Organizações Globo, um da
Folha e um da TV Bandeirantes.
O comunicado das entidades a
que todos se referem é bastante
genérico. Registra a importância
do setor em termos sociais, políticos, educacionais e econômicos;
sugere a formulação de uma política de ajuda; e reitera os "princípios de autonomia de opinião e
de independência que norteiam
uma imprensa compromissada
exclusivamente com a verdade, a
liberdade de expressão, o direito
de informar e o respeito ao direito do cidadão de ser informado".
Omissão
Que a mídia recorra ao BNDES
para sobreviver e/ou avançar, é
uma questão evidentemente polêmica, relativa à real capacidade de um devedor de se manter
sempre e verdadeiramente crítico e independente em relação ao
seu próprio credor. As divergências, aí, são naturais, especulativas, e só a prática, no fundo, será
capaz de resolvê-las.
Mas a coisa se complica, desde
já, concretamente, quanto ao último ponto, citado entre aspas,
do tal comunicado.
Quais são os números apresentados nos "estudos" entregues ao
BNDES? Qual é o tamanho da
crise do setor? Como se chegou a
ela? A quantas andam suas dívidas? Quais tipos de dívidas são?
Que modalidades de financianmento são sugeridas? Qual foi a
reação inicial do BNDES?
O comunicado e as reportagens -sem falar na omissão total de outros veículos- não respondem a nenhuma dessas interrogações, elementares no noticiário sobre a crise de qualquer
outro grupo de empresas relevante da economia.
O único dado concreto mencionado é o de que o setor responde por mais de 280 mil empregos diretos e indiretos. Só.
Como fica, então, o "respeito
ao direito do cidadão de ser informado", no momento em que
a própria mídia omite de seu público informações básicas sobre
ela mesma?
A Folha marcou um ponto ao
divulgar o encontro. Mas fez menos do que o mínimo: nada revelou além do genérico comunicado e, pior, omitiu que um representante dela participou da reunião em Brasília.
Tal comportamento, de uma
transparência pela metade, na
base do insufilme, chama ainda
mais a atenção, negativamente,
por ocorrer poucos dias após a
divulgação de uma entrevista no
site "AOL Notícias" (24/10) na
qual o publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira, defendendo a independência total da mídia, mostrou-se crítico em relação a todo auxílio oficial e teceu
argumentos contrários a uma
política específica de ajuda para
o setor de comunicações.
Nessas circunstâncias, além de
estar mal-informado, o leitor do
jornal tem todo o direito de se
sentir, no mínimo, confuso.
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de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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