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OMBUDSMAN
Um balanço das eleições
MARCELO BERABA
Encerra-se hoje, com a ida
às urnas, o primeiro turno
das eleições municipais. A Folha
e seus principais concorrentes cobriram bem a campanha? O leitor que acompanhou a disputa
pelos jornais ficou bem informado? Sim e não.
Há um dado positivo na cobertura dos grandes jornais, principalmente na Folha e no "Globo":
a preocupação em monitorar de
perto o financiamento das campanhas e em colocar uma lupa
no enriquecimento patrimonial
dos políticos.
As doações eleitorais têm sido
fonte permanente de corrupção.
É um fenômeno antigo. Os jornais cumprem papel importante
quando pressionam os poderes
da República por mais transparência e controle e quando revelam casos concretos de corrupção ou de promiscuidade.
A Folha expôs pela primeira
vez como grandes financiadores
das campanhas do PT e do PSDB
driblaram a legislação eleitoral e
camuflaram suas doações, repassando-as diretamente para
os partidos, evitando que aparecessem nas prestações de contas
dos candidatos.
Outro fenômeno antigo é do
enriquecimento que uma boa
parte dos políticos experimenta
no exercício de cargos eletivos. A
Folha tem tradição de cobertura
nesta área, e a manteve nesta
eleição, quando registrou o aumento do patrimônio do candidato a vice de José Serra, Gilberto Kassab.
Mas a maior contribuição partiu do "Globo", que levantou no
tribunal eleitoral todas as declarações de bens de deputados estaduais e vereadores, complementou as informações com
buscas em cartórios e juntas comerciais, e mostrou como os políticos do Rio tiveram crescimentos patrimoniais acelerados.
Equilíbrio
Diria que esse ânimo investigativo foi o ponto positivo das coberturas. No mais, elas deixaram
expostas várias deficiências graves dos jornais.
A mais importante, a falta de
equilíbrio no acompanhamento
das várias candidaturas, já tratei em três outras colunas, e não
pretendo me estender novamente sobre o assunto.
Embora tenha observado mais
a Folha, deve ser dito que a falta
de equilíbrio foi um ponto comum a todos os três grandes jornais, como é possível constatar
pela leitura diária e pelo levantamento feito a partir de abril
pelo Laboratório Doxa/Iuperj
(http://doxa.iuperj.br).
Marketing e intrigas
Há um outro ponto que considero uma deficiência antiga e
grave nos jornais e que, mais
uma vez, não conseguiram superar: é a quase total submissão às
intrigas, aos jogos de cena pautados pelos marqueteiros e aos discursos vazios dos candidatos.
Esse tipo de cobertura acaba
dando espaço exagerado, e às vezes carregado de um tom sensacionalista, para a troca de baixarias entre os candidatos, para os
seus trejeitos, para promessas irrealizáveis, e para detalhes insignificantes que logo desaparecem.
Os jornais não conseguiram
impor aos candidatos questionamentos que permitam aos leitores conhecer o que realmente
pretendem realizar. As grandes
questões foram omitidas, com
exceção, no caso de São Paulo,
do endividamento da cidade e
uma ou outra discussão sobre
saúde, educação e transportes.
Os problemas estruturais da cidade mal foram discutidos. Os
temas mais delicados -expansão das favelas, domínio do narcotráfico, extensão dos serviços
para as regiões hoje excluídas,
carga tributária, vocação econômica da cidade, emprego- ou
foram evitados ou foram tratados de forma superficial e demagógica. E os jornais não cobram.
Foi assim com as chacinas de
moradores de rua. Mais de 10
mil pessoas perambulam pela cidade sem casa e sem trabalho. É
uma questão complexa, que não
se resolve com paliativos. Como
enfrentar? As mortes foram tratadas como caso policial, os candidatos ignoraram o problema,
a Folha fez um debate superficial
e pronto.
Os candidatos impõem os temas que lhes interessam, e não
os que interessam à cidade, e os
jornais se submetem.
Segundo turno
As coberturas dos jornais revelam outra deficiência: a incapacidade, no dia-a-dia, de associar
as notícias políticas às econômicas, de buscar um nexo entre o
que é relatado, no caso da Folha,
no caderno Brasil com o que é
editado em Dinheiro e com o
que acaba saindo em Cotidiano.
É como se a eleição estivesse desligada dos fatos políticos e econômicos e das decisões administrativas.
Pedi ao editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, responsável pelo caderno Eleições
2004, uma previsão do que pretende fazer no segundo turno.
Transcrevo: "O jornal deve aprofundar a cobertura ao mesmo
tempo crítica e equilibrada dos
principais temas da administração e das propostas dos candidatos, procurando esclarecer o mérito das questões que surgem no
bate-boca entre eles. Prevejo a
campanha mais acirrada que já
houve em São Paulo desde a redemocratização do país. A análise política do impacto da eleição
em São Paulo, e da correlação de
forças que sairá das urnas em
âmbito nacional, terá que ser
aprofundada. Seu ponto de fuga
é o jogo sucessório de 2006, e o
jornal tem o dever de iluminá-lo
desde já".
Espero, sinceramente, que consiga. Mas acho difícil.
Os jornais devem se perguntar
se o modelo de cobertura eleitoral que praticamos há anos não
está esgotado, porque leva a um
noticiário superficial e descartável.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman,
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