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OMBUDSMAN
Emoções
RENATA LO PRETE
Das pesquisas de avaliação do
governador ao levantamento diário das opiniões de leitores
sobre assuntos do noticiário, não
faltam elementos para a Folha
perceber o quanto a população
está sensibilizada pela doença de
Mário Covas.
Não bastassem os sinais externos, até mesmo na Redação se
ouvem comentários reveladores
de que também para jornalistas
esta é uma história que vai além
da política.
No entanto, quem viu a entrevista coletiva do governador, na
quinta-feira, e leu o relato no dia
seguinte ficou com a impressão
de que o jornal é feito por pessoas desconectadas do sentimento do público e incapazes de
transmitir emoção.
Dois leitores disseram não ter
reconhecido, na descrição lacônica da Folha, as cenas que haviam acompanhado pela televisão.
O descompasso se revelou nos
detalhes. Palavras como "choro"
e "lágrimas" não apareceram na
capa nem no título interno.
De acordo com a reportagem,
Covas "chegou a chorar". Na
verdade, ele o fez em mais de
uma ocasião durante quase
meia hora de entrevista no Instituto do Coração. Perto do final,
foi "tomado pelo choro", como
registrou o "Estado".
É desse momento a imagem escolhida para a capa da maioria
dos jornais. A da Folha mostrou
o governador mais contido.
Por fim, a reportagem omitiu
que choraram também assessores e jornalistas presentes à primeira aparição pública de Covas
desde a cirurgia a que foi submetido, na semana retrasada, para
a extração de dois tumores no
intestino.
Além de esfriar sua cobertura,
o jornal optou por descartar boa
parte do que foi dito na entrevista. Um dos leitores se declarou
surpreso por encontrar no papel
menos informação do que na
TV.
Foram reproduzidas apenas
duas frases da parábola que Covas recebeu de uma senhora e
leu para os jornalistas. Mesmo
das respostas dele, muito ficou
de fora.
"Tive dor, tive medo, tive tudo
aquilo que um homem normal
tem", disse em um dos trechos
desprezados. A frase ajuda a entender que as pessoas enxergam
nesta história algo não captado
pela edição de sexta-feira.
É compreensível que o jornal
procure evitar excessos, em especial os que resultem na exposição do doente a constrangimento.
Convém lembrar, no entanto,
que Covas chamou a entrevista,
assim como tomara antes outras
atitudes no sentido de lutar contra o câncer diante do público.
Este tem respondido com mais
solidariedade do que invasão de
privacidade.
Embora correta, a preocupação com os excessos não pode resultar em relato que ignore o
drama.
É característica da Folha a dificuldade para lidar com emoções, como se considerasse impossível expressá-las sem incorrer em pieguice ou sensacionalismo.
Não é. Basta procurar a medida certa. Como perceberam os
leitores, sem a dose necessária de
sentimento, o jornal simplesmente não conta o que aconteceu.
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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Renata Lo Prete/ombudsman,
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