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OMBUDSMAN
Outras palavras
RENATA LO PRETE
"Marta vai criar curso
de francês na periferia", assegurou o título de uma
reportagem no caderno Cotidiano de sexta-feira.
Não surpreende que a combinação Marta-francês-periferia tenha excitado o jornalista
à procura de um enunciado
vistoso. Mas quem se deu ao
trabalho de ler o texto descobriu, logo no primeiro parágrafo, informação diferente.
A parceria acertada na viagem da prefeita a Paris "poderá viabilizar a implantação de
cursos de francês" em regiões
pobres de São Paulo. Marta
manifestou a "intenção" de
implantar escolas de idiomas
na periferia. "Não tenho a
mais leve idéia de quando vou
começar isso", acrescentou.
Com tantas ressalvas, em que
se baseou a certeza do título?
Dois dias antes, outro contraste, na capa do jornal:
"Agências vetam investimento
na Argentina". Em seguida:
"JP Morgan, Merrill Lynch e
Bear Sterns aconselharam seus
clientes a evitar a Argentina".
Não é difícil perceber a distância entre as duas afirmações.
Os casos se assemelham a
um terceiro, também ocorrido
na capa e mencionado aqui há
duas semanas. "Cai na segunda-feira" o veto do Canadá à
carne brasileira, previa o título. Abaixo, no texto, o veto não
"cai" mais. "Pode cair", de
acordo com funcionário do
Ministério da Agricultura.
No dia seguinte, em vez de
reconhecer que se afobara, a
Folha resolveu o problema
com uma nova reportagem.
Segundo ela, o entrevistado
"recuara" de suas declarações
(em essência, as mesmas que
ele havia dado na véspera).
São exemplos em série a
mostrar falta de critério na escolha das palavras, como se a
limitação de espaço e o desejo
de atrair leitura desculpassem
toda sorte de distorções.
O descompasso entre título e
texto é uma das manifestações
do problema. Outra é o hábito
de reescrever a história com
pequenas mudanças de uma
edição para outra, em uma espécie de telefone sem fio do jornal consigo mesmo. A cada dia
a informação se distancia um
pouco da original, até transformar-se por completo.
Quando voltou para o Corinthians, há pouco menos de um
mês, Wanderley Luxemburgo
disse que "a seleção é a consagração de qualquer treinador". Completou: "O Corinthians foi o clube que me projetou para a seleção. É sempre
uma força muito grande".
Conclusão: "Luxemburgo vê
time como trampolim para seleção". Forçada, sem dúvida,
mas ainda é possível alegar
que se tratou de interpretação.
Não no dia seguinte: "A declaração de que (o técnico)
pretende usar o Corinthians
como trampolim para voltar à
seleção serviu para persuadir o
grupo a se esforçar". Tal "declaração" jamais existiu.
A questão não é Luxemburgo, cujos negócios a Folha pode
e deve investigar. Nem estabelecer se ele pretende ou não
usar o clube. Importa é observar que o jornal, como quem
não quer nada, coloca suas
idéias na boca dos outros.
Há ainda a prática de repetir
imprecisões até que se cristalizem. Não há texto que mencione o "dossiê Caribe" sem explicar que são "papéis sem
autenticidade comprovada sobre suposta conta de tucanos".
Errado. São papéis que se
mostraram falsos. Nada impede que existam outros, verdadeiros. O jornal que trate de procurá-los. Não vale é maquiar a definição para elevar o
"valor de face" do material conhecido. Preciosismo? Só para
quem desconsidera que do
bom uso das palavras depende
a credibilidade do jornal.
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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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