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OMBUDSMAN
Nem o básico
RENATA LO PRETE
Com frequência me vem à cabeça o questionário para
avaliar reportagens de que falei
no domingo passado. Impressiona a quantidade de textos que
não resistem àquelas perguntas
simples, elaboradas pelo "San
Jose Mercury News" na tentativa
de diminuir a ocorrência de erros e distorções no noticiário.
Ao voltar da reunião anual
dos ouvidores de imprensa, encontrei entre a correspondência
acumulada mensagens de três
leitores que pediam minha atenção para a capa da Ilustrada de
24 de maio.
"MAM vê "privatização branca" do Ibirapuera", dizia o título.
Seu complemento: "Secretário
Ricardo Ohtake recebeu R$ 200
mil para fazer os catálogos da
Mostra do Redescobrimento".
Cada um a seu modo, os três
leitores procuravam me mostrar
que a capa não sobrevivia a várias perguntas do questionário
("A reportagem é isenta? Toma
partido? Todas as partes interessadas tiveram oportunidade de
se manifestar?").
Segundo a matéria, "privatização branca" serve para definir
"o modo como a Associação Brasil 500 Anos obteve espaços no
parque paulistano para realizar
a mostra".
Um desses espaços é a Oca,
parte do conjunto projetado por
Oscar Niemeyer. Ela é pleiteada
há anos pelo MAM, alojado de
maneira irregular sob a marquise do Ibirapuera.
O superintendente do museu
usou também o termo "mágica",
que para a Folha "seria a relação de Edemar Cid Ferreira",
presidente da associação, "com o
secretário municipal do Verde e
Meio Ambiente" (ex-secretário
desde o afastamento de Celso
Pitta).
Procede a queixa dos leitores.
A reportagem assumiu nitidamente a acusação. Para reforçá-la, vendeu como novidade a história dos catálogos, que já era
conhecida.
Ohtake argumenta que seu escritório foi contratado há três
anos, antes do período na secretaria. Isso não encerra o assunto,
mas o elo estabelecido pelo jornal se baseou em uma ilação.
De volta ao texto: "A Folha
apurou que Ohtake interferiu na
negociação (que permitiu à mostra usar a Oca)". Interferiu como? De maneira irregular? Se tivesse interferido em favor do
MAM haveria problema? Não é
esclarecido.
"Juridicamente, a Associação
Brasil 500 Anos tomou todos os
cuidados." Tradução: não temos
como provar que foi feito algo de
errado. "Politicamente, porém,
auxiliares do prefeito relatam,
sob reserva, como Ohtake ajudou Cid Ferreira."
Por fim, a oportunidade de o
arquiteto se manifestar foi confinada ao meio do texto, em total
desequilíbrio com o teor da acusação. Houve espaço, no entanto, para garantir um título ao
dono do restaurante do parque,
que também atacava o secretário. Dias depois, saiu uma carta
de Ohtake na página 3.
Os autores discordam das críticas. "A reportagem trouxe à luz
um debate, antes travado à sombra, sobre o uso de um bem público", escreveram à ombudsman os repórteres Kennedy
Alencar e Fabio Cypriano.
A intenção é louvável, mas
nem de longe foi alcançada.
A matéria existe, sem dúvida.
Está em curso uma pesada disputa dentro do conselho da Fundação Bienal, que criou a Associação Brasil 500 Anos. O litígio
se reflete, entre outras coisas, no
caso relatado pela Folha.
O destino do parque é tema de
grande interesse para os paulistanos, e por isso merece investigação. Mas não é agindo como
porta-voz de partes envolvidas
que o jornal prestará serviço ao
leitor.
Lendo as edições da semana
em que estive fora dei com outra
capa da Ilustrada que me fez
lembrar do questionário. "Militares regeram festival de música
da Globo", afirmou a manchete
do caderno em 27 de maio.
Desta vez, a pergunta da lista
("O lide se sustenta?") teve de ser
substituída por outra ainda
mais básica, porque o próprio título não parava em pé.
Resumo. Em entrevista à Folha, o organizador do 7º Festival
Internacional da Canção disse
que a emissora "recebeu e acatou
pressões" para tirar a cantora
Nara Leão do júri.
Todo o corpo de jurados foi
substituído. A versão mais conhecida do episódio dá conta de
que isso teria ocorrido para evitar a vitória da pouco comercial
"Cabeça", de Walter Franco.
Bobagem, segundo o organizador e o assessor de imprensa do
evento. Do outro lado, dois jurados destituídos questionaram o
depoimento e reafirmaram a tese anterior. Apesar da ausência
de consenso e de prova, o jornal
apresentou a versão como fato.
"Não foi um título adequado",
reconhece o editor interino da
Ilustrada, Cassiano Elek Machado. Segundo ele, foi feita uma
troca, a certa altura da rodagem,
para incluir no enunciado um
preventivo "diz organizador".
Foi o único problema visto pelo
jornalista na reportagem, que
não se deu ao trabalho de ouvir
ninguém da cúpula da Globo
nem personagem que pudesse
responder, ainda que indiretamente, pelo sujeito "militares".
"Não chegou a nossas mãos nenhuma carta contestando a teoria que apresentamos", diz o editor interino. "Se fosse mentira
que "militares regeram festival
da Globo de 72", certamente teríamos recebido manifestações."
Tradução: está tudo bem, desde que ninguém ligue para reclamar. Seria bom lembrar que o silêncio não resulta necessariamente de acerto. Pode ser também sintoma de irrelevância.
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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
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