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OMBUDSMAN
Deu um branco
BERNARDO AJZENBERG
Ao repreender a ministra
Benedita da Silva, por "erro
administrativo", em entrevista
a jornalistas de rádio quinta-feira, o presidente Lula usou o seguinte raciocínio: "...na medida
em que manda um pedido de
viagem para a Casa Civil, dizendo que era para um ato religioso, obviamente dá a vocês, a
mim e a qualquer brasileiro o
direito de perguntar: como é que
pode alguém viajar para ir a um
ato religioso?".
Ele se referia à ida da ministra
da Assistência e Promoção Social a Buenos Aires (Argentina),
em 24/9, para participar de um
encontro evangélico.
Porém, o espanto indagativo a
que até o presidente da República alude não chegou, surpreendentemente, à Folha -ao menos não como era de esperar.
O "furo" sobre a inusitada viagem da ministra (cuja agenda,
segundo sua assessoria argumentaria mais tarde, compreendia também compromissos públicos) foi dado pelo "Globo", na
edição de 25/9, com um título,
na capa, contundente: "Erário
pagará orações de Bené em Buenos Aires".
Baseou-se na publicação da
autorização da viagem pelo
"Diário Oficial" do dia anterior.
No dia seguinte (26), o mesmo
jornal e o "Estado de S.Paulo"
publicaram com destaque (até
mesmo na Primeira Página) fotos da ministra a discursar no
tal evento religioso, além de textos com declarações da oposição
apontando o uso de dinheiro
público para fins privados.
Até a última sexta-feira, o
concorrente paulista da Folha
continuou a publicar material a
respeito do caso em mais quatro
dias; o do Rio, em mais dois.
E a Folha, o que fez?
No dia 26, deu apenas uma
"tripa" -texto de uma coluna,
sem destaque maior, em página
interna. Depois, nada. Só retomou o assunto na sexta (3), após
uma semana, a partir da declaração do presidente e da decisão
do Ministério Público Federal de
apurar o ocorrido (aí, sim, com
chamada na capa e manchete
em página interna, além de
duas notas na seção Painel).
Ora, o caso da viagem de Benedita pode não ser o escândalo
do ano, mas também não deve
evaporar, ao que tudo indica,
como um acontecimento menor.
Ele diz respeito à perigosa abolição da fronteira entre público e
privado por parte de um membro do governo -questão relevante que tantos escândalos
rendeu na mídia, Folha à frente,
no governo anterior, sob o impulso, muitas vezes, do próprio
PT, ativo na oposição.
Além disso, guarda uma óbvia
relação com a disputa política
interna deflagrada no governo e
no partido a poucos meses da reforma ministerial (José Dirceu,
ministro-chefe da Casa Civil, já
teria demonstrado o desejo de
que a ministra deixe o posto).
Chama a atenção, assim, a timidez do jornal nessa cobertura.
Ela contrasta com a desejável
"marcação cerrada" que ele tem
exibido na cobertura do governo
Lula e que adotou, em casos semelhantes, sob a era FHC.
Dessa vez, parece, deu um
branco no costumeiro senso crítico da Folha.
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