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Chapéus e vinhetas
Não passou um dia desde segunda-feira sem que o "Painel
do Leitor" (na página A3) publicasse uma ou mais cartas contra
ou a favor da vinheta "Ataque
do império", adotada no noticiário sobre a guerra.
Como observei na coluna de
23/3, a "marca" traduz a opinião
contrária à guerra explicitada
em editoriais da Folha. Não é,
portanto, neutra -e a polêmica
no "Painel" é prova disso.
Na terça-feira, em crítica interna, apontei como sendo própria
de um "jornalismo de oposição"
-o que é diferente de um jornalismo crítico e independente- a
vinheta "Caindo na real", usada
naquele dia no noticiário sobre o
salário mínimo e as reformas
previdenciária e tributária.
Mostrei como ela espelhava
uma declaração de um líder tucano, oposicionista, que, na mesma edição, declarava que hoje o
PT (no governo) "...enfrenta a
realidade da vida".
De modo global, a direção do
jornal avalia que esses "chapéus", usados para organizar a
leitura, não precisam ser "burocráticos" (Previdência, Segurança, por exemplo).
Podem ser mais criativos ou
até editorializados. Seria o único
elemento da parte noticiosa que
pode, eventualmente, ter conotação mais "opinativa", desde que
seu conteúdo seja discutido com
a Secretaria de Redação.
Quanto à criatividade, tenho
total acordo. A editorialização
de vinhetas (ou "chapéus"), porém, parece-me temerária: uma
forma sutil e arbitrária de abrir
frestas para inocular no noticiário um engajamento, uma predisposição, às vezes um cutucão
ironicamente provocador.
Isso quando não se parte, simplesmente, para a gracinha inconveniente ou o mau gosto, como aconteceu com um célebre
caso, em 1991: o uso da vinheta
"Brisa de Itu" no noticiário sobre
o trágico vendaval que, em outubro daquele ano, fez 15 mortos e
200 feridos na cidade do interior
paulista onde "tudo é grande".
Dias depois, naquela ocasião, o
mesmo "Painel do Leitor" publicou uma carta na qual cinco signatários classificavam o tal
"chapéu" de grotesco, sórdido,
leviano, "que não condiz com
um jornal sério e responsável socialmente".
No caso presente, o diário espanhol "El País", para pegar um
exemplo que não seja de concorrente local, usa a vinheta "Guerra no Iraque", e nem por isso deixa de ser reconhecido como contrário à política dos EUA, manifestando-se nessa linha em editoriais, e, ao mesmo tempo, como de ótima qualidade no seu
noticiário.
No fundo, essa polêmica do
"Painel" sobre o "Ataque do império", na semana passada, não
põe em discussão apenas a opinião do jornal (de resto, absolutamente legítima), mas também,
e principalmente, até que ponto
cabe ou não contaminar com essa opinião, mesmo de modo subliminar ou limitado, um espaço
considerado sagrado de equilíbrio e imparcialidade -qualidades essas que, deixe-se claro,
não são sinônimo de burocratismo nem são incompatíveis com
a graça saudável ou a criatividade.
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