|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
Massacre
BERNARDO AJZENBERG
É possível que você não saiba, pois a Folha não registrou
o evento, mas segunda-feira a
polícia encaminhou à Justiça o
relatório final sobre a morte do
prefeito Celso Daniel, de Santo
André. Ele pede a prisão preventiva de seis homens e a custódia
de um menor, que fez os disparos. Ao final do processo, os primeiros podem pegar até 30 anos
de prisão; o mais jovem, três
anos na Febem.
O documento não traz novidades em relação ao que já se publicou. Sua entrega, porém, formaliza o fim de uma etapa.
Mas não é só: também se enterram as suspeitas que pesaram
durante semanas sobre o empresário Sérgio Gomes da Silva, que
acompanhava o prefeito na noite do sequestro (18 de janeiro). E
este massacre é o tema aqui.
Numa cobertura que lembra o
caso da Escola Base (aquele em
que a imprensa triturou seis pessoas por causa de suposto abuso
sexual contra crianças em 1994),
o empresário foi execrado por
grande parte da mídia nos dez
dias subsequentes ao crime (veja
exemplos no quadro ao lado).
Atordoadas por uma onda de
violência que levou até mesmo à
queda do secretário da Segurança de São Paulo, polícias de diferentes circunscrições fizeram a
sua parte: uma trapalhada de
investigações, factóides, versões
estapafúrdias, pistas furadas.
O PT, partido ao qual Celso
Daniel pertencia, perplexo, perdeu-se no início em elucubrações
sobre eventual motivação política para o crime. Diante de testemunhos incondizentes, seu "representante" para acompanhar
o caso, o deputado Luis Eduardo
Greenhalgh, chegou a afirmar, a
certa altura, que Silva precisava
"se explicar".
Coube, porém, à imprensa a
proeza de quase transformar
uma vítima em réu.
Nova saraivada
Deixe-se claro que são públicas
há dois anos suspeitas de que Silva participou de operações ilícitas relacionadas à Prefeitura de
Santo André -tudo a ser ainda
provado. Não se está falando,
obrigatoriamente, de um santo.
E, mesmo no caso Daniel, a palavra final será a da Justiça.
O fato é que, sem indício palpável, a maior parte da imprensa misturou essas suspeitas com
o crime contra Daniel. Durante
semanas, alimentou irresponsavelmente uma falsa vinculação.
Silva tornou-se, pela mão de
TVs, rádios, jornais e revistas,
com base em versões de versões
ou declarações confusas, o maior
suspeito de responsabilidade por
um crime que comoveu o país.
Mais grave: por intermédio
desse ataque, acabou-se despejando uma segunda saraivada
de balas, agora de "efeito moral", contra o prefeito morto,
sendo seu ápice a cruel insinuação de que haveria entre os dois
uma relação homossexual.
Seria injusto dizer que a mídia
atuou de forma homogênea -a
Folha e a "Veja", por exemplo,
embarcaram menos do que outros veículos na canoa.
Mas ela mostrou, como instituição, mais uma vez e infelizmente, aquilo de que também é
capaz: sequestros e assassinatos,
só que de reputações.
Alguns leitores podem estranhar
que não abordo o conflito israelo-palestino, fato mais relevante
da semana. Mas há um bom motivo (dentro do que pode haver
de "bom" nessa tragédia).
Os principais jornais, talvez escaldados pelo 11 de setembro,
souberam, com alguma oscilação, dar à cobertura um tratamento equidistante em relação
aos dois lados do confronto.
Sinal disso, na Folha, foi que só
recebi cinco queixas de leitores
-ainda assim, de um lado e de
outro. É pouco para assunto tão
complexo, polêmico e mobilizador de paixões. Resta verificar se
o equilíbrio, raro, difícil e frágil,
irá persistir.
Não que inexistam outros problemas importantes. Quanto a
estes -didatismo, clareza, ausência de análises, por exemplo-, haverá oportunidade para retomá-los.
Próximo Texto: Números do atendimento Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|