São Paulo, domingo, 07 de maio de 2000


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Tendencioso por omissão

RENATA LO PRETE

A Folha entrou com o pé esquerdo no caso do militante do MST morto terça-feira no Paraná. Por falha de apuração, a notícia não apareceu na edição do dia seguinte, que trouxe extensa cobertura sobre as invasões promovidas pelos sem-terra.
Escorregão para não esquecer tão cedo, sem dúvida, mas acontece com todo mundo. O alarde é menor em outros jornais porque eles não têm ombudsman para importunar a Redação em público.
Mais produtivo do que lamentar o furo tomado é verificar como a história foi tratada pela Folha desde então. Pelo que pude perceber, aí existe motivo para preocupação.
Na quinta-feira, as reportagens dos jornais se diferenciavam por uma série de detalhes. Impossível determinar, àquela altura, a exata quantidade de acertos e erros factuais de cada uma.
Mas dava para notar que a da Folha era a menos questionadora da versão do governo estadual, que sustentava não ter partido da PM o disparo que matou o assentado Antônio Tavares Pereira, 38 anos e cinco filhos. Exemplos:
a) o jornal registrava que, segundo o secretário da Segurança, apenas balas de borracha foram usadas na repressão aos manifestantes que pretendiam entrar em Curitiba. Um dos concorrentes já informava que, em nota oficial, o governo reconhecera que "pode ter havido uso de munição real".
b) o texto da Folha dava a entender que o primeiro dos dois choques de terça-feira, para o governo uma fantasia e para o MST o momento em que Pereira foi atingido, não tinha sido acompanhado pela imprensa, o que limitaria as possibilidades de conferir a versão dos sem-terra. Outro jornal esclarecia que emissoras de rádio haviam transmitido os dois confrontos.
c) merecedor de uma única e anódina referência na matéria da Folha, o titular da Delegacia de Homicídios de Curitiba surgia em outras reportagens como personagem que dava sinais de contradizer o secretário da Segurança. Esse quadro veio a se consolidar nas edições do dia seguinte (a da Folha incluída), com a afirmação do delegado de que o tiro foi disparado pela PM, e a conclusão de que houve mesmo mais de um confronto.
Para ser justa com o jornal, devo registrar que esses problemas, se não foram de todo superados, diminuíram sensivelmente na sexta-feira.
Há várias maneiras de produzir um relato jornalístico tendencioso. Distorcer declarações, introduzir juízos de valor e salpicar o texto com adjetivos são apenas as evidentes.
Também é possível ser tendencioso por omissão de informações, mesmo que não deliberada. Neste cenário o leitor não é menos prejudicado. Apuração deficiente compromete o entendimento da história.
Para evitar que o noticiário seja contaminado por interesses das partes envolvidas não basta recorrer à fórmula "o que diz um/o que diz outro". Neste caso, havia elementos para mostrar que a versão oficial jamais parou em pé.


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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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