|
Próximo Texto | Índice
Tendencioso por omissão
RENATA LO PRETE
A Folha entrou com o pé esquerdo no caso do militante do
MST morto terça-feira no Paraná. Por falha de apuração, a notícia não apareceu na edição do
dia seguinte, que trouxe extensa
cobertura sobre as invasões promovidas pelos sem-terra.
Escorregão para não esquecer
tão cedo, sem dúvida, mas
acontece com todo mundo. O
alarde é menor em outros jornais porque eles não têm ombudsman para importunar a
Redação em público.
Mais produtivo do que lamentar o furo tomado é verificar como a história foi tratada pela
Folha desde então. Pelo que pude perceber, aí existe motivo para preocupação.
Na quinta-feira, as reportagens dos jornais se diferenciavam por uma série de detalhes.
Impossível determinar, àquela
altura, a exata quantidade de
acertos e erros factuais de cada
uma.
Mas dava para notar que a da
Folha era a menos questionadora da versão do governo estadual, que sustentava não ter
partido da PM o disparo que
matou o assentado Antônio Tavares Pereira, 38 anos e cinco filhos. Exemplos:
a) o jornal registrava que, segundo o secretário da Segurança, apenas balas de borracha foram usadas na repressão aos
manifestantes que pretendiam
entrar em Curitiba. Um dos
concorrentes já informava que,
em nota oficial, o governo reconhecera que "pode ter havido
uso de munição real".
b) o texto da Folha dava a entender que o primeiro dos dois
choques de terça-feira, para o
governo uma fantasia e para o
MST o momento em que Pereira foi atingido, não tinha sido
acompanhado pela imprensa, o
que limitaria as possibilidades
de conferir a versão dos sem-terra. Outro jornal esclarecia que
emissoras de rádio haviam
transmitido os dois confrontos.
c) merecedor de uma única e
anódina referência na matéria
da Folha, o titular da Delegacia
de Homicídios de Curitiba surgia em outras reportagens como
personagem que dava sinais de
contradizer o secretário da Segurança. Esse quadro veio a se
consolidar nas edições do dia
seguinte (a da Folha incluída),
com a afirmação do delegado
de que o tiro foi disparado pela
PM, e a conclusão de que houve
mesmo mais de um confronto.
Para ser justa com o jornal,
devo registrar que esses problemas, se não foram de todo superados, diminuíram sensivelmente na sexta-feira.
Há várias maneiras de produzir um relato jornalístico tendencioso. Distorcer declarações,
introduzir juízos de valor e salpicar o texto com adjetivos são
apenas as evidentes.
Também é possível ser tendencioso por omissão de informações, mesmo que não deliberada. Neste cenário o leitor não
é menos prejudicado. Apuração
deficiente compromete o entendimento da história.
Para evitar que o noticiário
seja contaminado por interesses
das partes envolvidas não basta
recorrer à fórmula "o que diz
um/o que diz outro". Neste caso,
havia elementos para mostrar
que a versão oficial jamais parou em pé.
Próximo Texto: Na contramão Índice
Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Renata Lo Prete/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|