São Paulo, domingo, 07 de maio de 2000


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Na contramão

Uma das queixas que recebo com frequência é a do leitor que percebe contradição entre um título e o texto correspondente, ou de ambos com informação anterior do jornal sobre o mesmo assunto.
Passei pela experiência na terça-feira, diante da manchete da Folha: "Governo cede a caminhoneiros". Na véspera, 1º de Maio, a categoria havia iniciado paralisação.
Segundo a chamada de capa, a principal concessão seria o vale-pedágio, sistema que, ao menos em teoria, transfere o pagamento da tarifa ao dono da carga. Nenhuma outra medida era mencionada na primeira página.
Na reportagem interna encontrei mais três: uma (criação de tabela de referência de preços de frete) não correspondia ao que os grevistas pediam (tabelamento de preços puro e simples); as outras duas eram de menor relevância, uma delas tão vaga quanto "combate ao roubo de caminhões".
De duas uma, pensei ao encerrar a leitura:
a) o jornal havia errado no dia anterior, ao dizer com todas as letras que o vale-pedágio nunca foi reivindicação da categoria, e sim idéia (antiga, por sinal) do Ministério dos Transportes. Convencidos de que, apesar das promessas em contrário, acabariam pagando a conta, os caminhoneiros haviam rejeitado a proposta antes mesmo do início da greve.
b) o jornal não havia errado no dia anterior. O equívoco estava na manchete.
Apurei que a alternativa "a" não procedia. Aventei a hipótese "b" na crítica interna. No dia seguinte, ainda que de forma discreta, a Folha continuou a falar do vale-pedágio como sinal de que o governo havia "cedido". Pedi uma explicação.
"A reportagem contém falhas, mas é defensável", disse Gustavo Patú, secretário-assistente de Redação, sobre o texto que deu origem à manchete.
O jornalista reconheceu que as propostas do governo já eram conhecidas. "Mas no 1º de Maio elas foram efetivamente adotadas."
"Considero correto afirmar que o governo cedeu", prosseguiu Patú. "Uma semana antes, o ministro Eliseu Padilha minimizava a importância do movimento, alegava ter cumprido o acordo celebrado no ano passado e prometia usar a lei para evitar bloqueio de estradas."
A falha, em seu entender, foi "não ter feito a memória da mudança de tom do governo".
A resposta passa ao largo do problema, cuja essência está na interpretação do título, e não nas informações do texto. A Folha apresentou como concessão algo que, de acordo com o próprio jornal, divergia da reivindicação dos grevistas.
É evidente que o governo foi obrigado a se mexer. Na quarta-feira, anunciou a liberação do pedágio por uma semana, com o que pôs fim à greve.
Isso não torna a manchete de terça-feira consistente. Na aparência, seu arrimo era um punhado de medidas. Na verdade, ela se segurava apenas em discurso. Como tantas vezes, o oficial.


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