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OMBUDSMAN
Outro tempo
BERNARDO AJZENBERG
Na madrugada de quinta-feira, por volta das 3h, a
Câmara dos Deputados aprovou
em primeiro turno a reforma tributária enviada pelo governo.
Não foi outro o destaque ao
longo da manhã, da tarde e da
noite de quinta nos telejornais,
no sites noticiosos, na rádio, nos
"mercados"; o jornal "O Globo"
chegou a produzir uma edição
impressa tardia, ainda na madrugada, registrando a notícia
em manchete. No final do dia,
não havia, em tese, quem não
soubesse do ocorrido.
Qual foi a atitude dos principais jornais nas edições de sexta,
já que não puderam (com exceção do "Globo") anunciar na
própria quinta a aprovação?
Procuraram destacar em suas
capas a sequência, o "day after"
da notícia (veja no quadro).
Mas a exceção, dessa vez, foi a
Folha: subestimando a ampla irradiação e as consequências do
fato ao longo de 24 horas, publicou uma manchete fria, defasada ("Governo aprova reforma
tributária"), com uma foto de
deputados da base aliada festejando a vitória.
Não por acaso, um colega comentou ter tido por instantes, ao
pegar o jornal sexta de manhã, a
sensação de estar com um exemplar do dia anterior (quinta).
Esse caso não mereceria estar
nesta coluna não fosse o que, me
parece, se insinua por trás dele:
qual é o sentido, a utilidade do
jornal impresso numa época em
que as notícias se produzem em
"tempo real", com velocidade,
abundância e amplitude inimagináveis poucos anos atrás?
Não posso afirmar se foi esse o
raciocínio da Folha, mas existe
uma concepção, desde muitos
anos, de que ao jornal cabe, dentre outras tarefas, a de ser o registro da História -mesmo em
detrimento da "temperatura" de
determinada manchete.
Válido no passado, esse princípio, porém, vem sendo repensado, por causa do avanço tecnológico e da complementaridade
cada vez mais clara, aos olhos do
consumidor, entre os diferentes
meios de comunicação.
A sobrevivência do jornalismo
impresso e a definição de seu futuro passam por essa revisão, e a
sensação de "gelo" da capa de
sexta da Folha expressa a necessidade de mudança.
O registro histórico já não fora
feito, sob diversas formas, ao
longo do dia anterior? A pertinência do jornal, na sexta, não
estaria em apontar, desde a
manchete, para algo além do já
exaustivamente anunciado?
Cabe deixar claro que muito
disso foi feito nas páginas internas (análises sobre as implicações da reforma, bastidores das
negociações, por exemplo).
Mas a Primeira Página é a síntese do espírito do jornal, sua vitrine, seu farol. E, neste caso, a
meio-facho, ela sinalizou que a
Folha ainda tem muito a refletir
sobre sua função aqui e agora,
não no século passado.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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