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O caso Suez-soez
BERNARDO AJZENBERG
Cinco anos atrás, a Folha
editou uma brochura intitulada "Antologia do Erramos".
Reunia os casos mais curiosos da
seção de correções, publicada na
nobre página A3 do jornal desde
1991. Além disso, trazia algumas
dicas para evitar os equívocos
mais comuns.
Essa antologia está disponível
no botão "Círculo Folha" do site
do jornal (www.folha.com.br).
Na última sexta-feira, o "Erramos" abrigou uma nota que, por
si só, deve fazer pensar se já não
seria hora de uma segunda edição, revista e ampliada, daquela
bem-humorada e corajosa coletânea.
Referindo-se a reportagem de
quarta-feira segundo a qual o
presidente da República afirmara em Tabatinga (AM) que, se
for preciso (em caso de terrorismo ou contrabando, por exemplo), dará ordens às Forças Armadas para abater aviões ameaçadores, o "Erramos" afirma:
"O presidente Fernando Henrique Cardoso classificou o terrorismo de inimigo soez (que significa vil, torpe), e não suez, o que
deu origem a uma explicação
descabida sobre o uso da palavra
na reportagem "Presidente diz
que pode permitir abate de
avião" (Brasil, pág. A6, 3/10)".
Dois aspectos dão tom especial
a essa nota, sendo o primeiro relativo ao mérito.
A reportagem, ao usar "suez"
em vez de soez, tentava explicar
o inexplicável:
"FHC se referia aos combatentes egípcios que lutaram contra
os israelenses na região de Suez,
em 1973, e atacavam seus oponentes por meio de túneis subterrâneos abandonados, de surpresa".
A explicação, considerada
"descabida" pelo "Erramos"
-conquanto expresse um louvável esforço de elucidação-, é
tristemente histórica.
O segundo aspecto se refere ao
próprio texto da correção.
Note o leitor, relendo-o com
bastante atenção, que ele acaba
por responsabilizar FHC pela
confusão criada.
Literalmente, de modo infeliz,
o texto afirma que o que deu origem à explicação "descabida" foi
o fato de FHC ter classificado o
terrorismo de inimigo soez, e
não suez.
Com permissão dos militantes
do "politicamente correto", é o
samba do crioulo doido.
"Unhas e dentes"
Esses deslizes, claro, não são
exclusividade da Folha, que tem,
aliás, o hábito de admiti-los publicamente.
O prestigioso jornal britânico
"The Guardian", por exemplo,
que contém uma seção de "Erramos" desde 1997 (curiosamente,
ela é editada pelo seu ombudsman, ou "reader's editor"), também publicou, no ano passado,
uma seleção de casos engraçados
e pitorescos, chamada "Corrections & Clarifications".
No prefácio redigido para o livro, o editor do jornal, Alan Rusbridger, afirma:
"A maioria dos jornais reluta
em admitir que sempre trazem
algo errado. Lutarão com unhas
e dentes para evitar a confissão
de um erro. O raciocínio parece
ser bastante simples: se você
sempre admite que comete erros,
por que motivo deverão os leitores acreditar naquilo que lêem?".
A resposta também é simples.
Reside numa aposta na transparência enquanto instrumento de
credibilidade.
O caso Suez-soez caberá em
qualquer seleta de bobagens às
quais o jornalismo brasileiro está sujeito.
Talvez a Folha não considere
prioridade, no momento, uma
segunda edição daquela antologia. Tudo bem. Mas, diante desse
caso, sensato seria ao menos reforçar as dicas que a primeira
edição trazia, para poupar os leitores de certas atrocidades.
Porque a paciência e o senso de
humor, como se sabe, também
têm limites.
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