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OMBUDSMAN
Tão perto, tão longe
BERNARDO AJZENBERG
O presidente Lula faz uma
viagem delicada a países árabes. Os jornais retomam a "disputa" por novas revelações da
Operação Anaconda. Com a
acusação formal contra um empresário, o caso Santo André (sequestro e morte do prefeito Celso
Daniel) entra numa nova fase.
Apesar desses assuntos da semana, de indubitável interesse
geral, o que mais me chamou a
atenção, na Folha, foram duas
cartas publicadas na quinta-feira no Painel do Leitor.
A primeira reclamava que "a
questão da falta de chuvas e do
nível dos reservatórios de água
na Grande São Paulo não esteja
recebendo da mídia o tratamento que merece". O leitor relacionava várias interrogações sobre
o tema, cujas respostas a mídia,
inclusive a Folha, não dá.
A segunda carta protestava
contra o fato de o jornal, apesar
de destacar na Primeira Página
de terça (2) uma foto de pessoas
"abraçando" o Theatro São Pedro, não ter publicado nada, em
páginas internas, com detalhes
sobre a demolição de parte daquela tradicional instituição.
Os dois pontos -abastecimento de água e demolição de um
teatro- têm algo em comum:
não são capazes de abalar as estruturas do país, mas dizem respeito, muito diretamente, à vida
de milhares de pessoas de um
bairro ou de milhões delas em
toda uma região. Referem-se a
notícias de utilidade pública.
Por coincidência, no dia anterior, eu tinha trabalhado num
questionário de pesquisadores
da Universidade de Piura (Peru)
sobre o ofício de ombudsman. À
sexta questão ("Qual considera o
maior defeito do meio de comunicação no qual trabalha?"), eu
respondera: "Ignorar, frequentemente, assuntos do dia-a-dia".
Parece consensual, hoje, em estudos sobre comportamento, a
existência de uma tendência explícita à individualização, à supremacia dos interesses pessoais
ou locais, em detrimento dos interesses, digamos, populacionais
mais amplos.
A Folha não tem de se curvar
perante a "ideologia" predominante de plantão, mas tampouco seria sábio ignorar aquilo que
ela indica. Goste-se ou não, o jornal deve se obrigar a levar em
conta essa situação no momento
de definir as suas prioridades.
Não está em questão a importância de a Folha priorizar e investir pesadamente, como costuma fazer, em casos de grande relevância institucional, política e
econômica para o país.
Cada vez mais, no entanto, um
dos traços de um jornalismo capaz de estar à frente, de modo
pró-ativo, e, ao mesmo tempo,
muito próximo do seu público, é
a consistência em priorizar na
sua pauta, de maneira sistemática -e não à base de soluços ou
de cobranças pontuais-, ao lado dos grandes eventos, aqueles
outros com aparência de menores porém potencialmente cheios
de implicações imediatas para a
"carne" do leitor.
As duas cartas citadas no início
desse texto trazem exemplos de
que nem sempre o jornal tem estado à altura desse desafio.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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