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OMBUDSMAN
Um debate delicado
BERNARDO AJZENBERG
Um dos trunfos que os órgãos de imprensa possuem
são seus colunistas. No caso da
Folha, em particular, isso é claramente um diferencial de peso.
Eles são dezenas, portadores das
visões as mais diferenciadas.
Ocupam grande parte do espaço.
Não seria exagero dizer que o jornal é um dos diários de grande
circulação que mais colunistas
abrigam em suas páginas no
mundo todo.
E não por acaso, pois os leitores
apreciam esse ingrediente essencial do jornalismo. Por mais que
discordem ou se batam, às vezes,
contra a opinião de um ou outro,
reconhecem o seu papel.
A norma, na Folha, é preservar
a liberdade de expressão de seus
colunistas. Faz parte do jornal.
Sem isso, o investimento que representam, como profissionais
de alta qualificação, não faria o
menor sentido. Daí, inclusive, a
carga que sobre eles recai.
Três dias atrás, aliás, um deles
dissertou sobre isso. Foi o economista Paulo Nogueira Batista Jr.,
no caderno Dinheiro. Afirma o
seu texto: "É uma grave responsabilidade, leitor, escrever toda
semana para o jornal de maior
circulação do país. Às vezes, essa
responsabilidade pesa".
Pois tomo essa "confissão" como um "gancho" para tratar de
um assunto que vira e mexe volta à tona e tem a ver com toda essa introdução: o uso, pelo colunista, de fatos ou acontecimentos
da vida pessoal no texto por ele
publicado. Não me refiro às crônicas, misto de ficção e realidade
por natureza, mas a eventos
reais expostos de forma real.
Cinco exemplos
A seguir, cinco exemplos, o primeiro vindo do próprio economista Paulo Nogueira Batista Jr.
No dia 9 de novembro passado,
ao comentar o livro que ele lançaria dali a alguns dias, o colunista relatou as agruras pelas
quais passou com a primeira editora para a qual entregara seus
textos. Descreveu problemas de
revisão, acusou-a de incompetência e desleixo. Depois, traçou
elogios a uma segunda editora, a
que estava, então, publicando o
seu trabalho.
Pouco depois, no dia 24, a jornalista Barbara Gancia registrou
suas peripécias ao participar de
uma promoção de prêmios de
uma drogaria. Teria direito a
uma balança eletrônica por ter
acumulado "x" pontos, mas a loja não concordava. A coisa, a
partir da coluna, foi para os tribunais, e a drogaria ganhou direito de resposta.
Mais recentemente, em 2 de
março, Clóvis Rossi descreveu a
aventura "kafkiana" realizada
para pagar o IPTU, revelando,
inclusive, detalhes sobre a visita
que fez a uma Administração
Regional próxima de sua casa.
"Clube fechado". Foi esta a coluna assinada por Gilberto Dimenstein no dia 7 de março. Nela, o colunista contava com indignação o modo como ele e sua
família viram rejeitado o pedido
para ingressar como sócios num
clube em bairro de classe média-alta paulistano.
Por fim, na semana passada,
dois dias antes da "confissão" de
Batista Jr., foi a vez de Marilene
Felinto espinafrar serviços e produtos. O texto, de 3 de abril,
bombardeava o atendimento do
qual foi vítima por parte dos serviços de consumidor de uma operadora de TV a cabo e de uma de
telefonia celular. De roldão, atacava uma marca de palitos de
fósforos por estes quebrarem fácil
demais.
A lista, embora exaustiva, é
útil para mostrar que não se trata de algo incomum, com que se
despreocupar.
Discussão de fundo
Não pretendo, aqui, defender
editoras, drogarias, prefeituras,
departamentos de atendimento
a clientes, o que quer que seja.
Muito menos questionar as opiniões, a qualidade e o histórico
dos colunistas mencionados.
Nada disso. O problema é outro. Resvala para uma discussão
a ser feita. Uma discussão de fundo: até que ponto tem propriedade, para um colunista -ademais de um jornal de grande
porte-, tomar de empréstimo
um espaço sabidamente privilegiado e de ampla repercussão para tratar de enfrentamentos de
ordem pessoal?
Claro, a primeira objeção a essa indagação crítica é que só se
usaram eventos pessoais na medida em que tinham interesse
amplo, público, como exemplos.
Isso justificaria o método.
Ocorre que há uma seção tradicional, no jornal, para o consumidor. Chama-se "A Cidade é
Sua". Nela, os leitores reclamam,
cobram satisfação de empresas.
Também aqui os casos pessoais
ganham universalidade. E são
iguaizinhos aos levantados nas
colunas a que me referi.
Cabe a pergunta: em termos
objetivos, esse procedimento não
significa, ainda que involuntariamente, uma forma direta de
pressão sobre as empresas ou serviços em questão, ou sobre outros, potenciais, com os quais os
jornalistas inevitavelmente se
defrontarão ao longo do tempo?
E outra: por que um colunista
deveria gastar seu valioso espaço
-merecidamente conquistado,
diga-se- como palanque privilegiado para acertar contas pessoais? Diante desse recurso, seria
de estranhar que as empresas ou
pessoas "acusadas" passassem a
desconfiar de que o jornal, por
trás de boas intenções, poderia
servir a fins de interesse privado,
individual, e não público?
Eis um debate à mesa, tão necessário quanto delicado.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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