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OMBUDSMAN
Tempestade no pós-Blair
BERNARDO AJZENBERG
O instituto Gallup divulgou
nos EUA, dia 30, sua mais recente pesquisa sobre a credibilidade da mídia, a primeira depois do caso Jayson Blair.
Nada saiu por aqui, a não ser
um registro no "Globo", mas os
dados são explosivos: 62% dos
norte-americanos acham que a
imprensa traz informações inexatas, contra apenas 36% para
os quais os fatos são relatados de
forma apropriada.
É o segundo maior índice negativo desde o início da pesquisa,
em 1985 (as taxas, então, eram
quase o inverso: 34% e 55%, com
11% "sem opinião"). Só perde
para 2000, quando da confusão
na apuração de votos na eleição
de George W. Bush (descrença de
65%, 32% de confiança).
Seria parcial, porém, atribuir o
crescimento da rejeição apenas
ao caso Blair. A mesma pesquisa
revela, curiosamente, que 39%
do público simplesmente ignora
o ocorrido com o repórter-inventor do "New York Times".
Além disso, trata-se do primeiro levantamento desde a ocupação do Iraque, período pouco
glorioso para a tradicionalmente
independente mídia dos EUA.
As sequelas do caso Blair, no
entanto, continuam a fazer estrago e produziram, na quinta, a
maior bomba no meio jornalístico internacional em décadas: a
demissão dos dois chefões do
"Times", o editor-executivo, Howell Raines, e o secretário de Redação, Gerald M. Boyd.
São os cabeças do mais prestigiado diário do mundo, abaixo
apenas, no expediente, do publisher, Arthur Ochs Sulzberger
Jr. -que semanas atrás negara
publicamente a possibilidade de
queda desses subordinados.
O fato é que, à demissão de
Blair (início de maio), seguiram-se a criação de uma comissão para rever os procedimentos da Redação, a demissão de um repórter que assinou um texto apurado na verdade por um free-lancer e, nas palavras de um editor-chefe de um grande jornal dos
EUA citado pelo "Financial Times", a revelação, para Sulzberger, de uma série de fatos até então por ele ignorados sobre o estilo de administração de Raines.
Bombardeado há semanas
com ironia e ferocidade pela
concorrência, o "Times" recebeu
na sexta a mais dura e direta das
críticas, em editorial do sisudo
"The Wall Street Journal".
Para o poderoso diário financeiro, a era Raines-Boyd privilegiou um jornalismo tendencioso,
que mistura opinião com notícia, pondo em questão a sua tradicional credibilidade. Blair não
seria mais do que um sintoma
desse problema mais amplo.
O editorial acusa o "Times" de
pregar um jornalismo imparcial
e objetivo e de praticar o contrário, criando uma confusão nos
leitores e em jovens repórteres
susceptíveis como Blair.
Além dessas, destacadas pelo
"Journal", a turbulência no "Times" gera outras questões:
Até quando pode um jornal
sustentar em suas páginas com
credibilidade tantas informações em "off" (sem menção à fonte), como tem feito o "Times"?
Faz sentido que uma política
que considera critérios étnicos
no recrutamento e ascensão de
carreira se desfigure em leniência para com erros graves de um
profissional (Blair, no caso, que é
negro) ao longo de meses e anos?
Vale a pena arriscar uma tradição de seriedade em nome de
citações ou fatos espetaculosos,
sacrificando, na pressa do fechamento, a exatidão?
Mas a onda de más notícias
para o jornalismo não parou aí
na semana passada.
Na segunda (entre a pesquisa
Gallup e o corte no "Times"), a
Comissão Federal de Comunicações, controlada pelo Partido Republicano, aprovou desregulamentação que permite megafusões e aquisições, propiciando
uma concentração ainda maior
da propriedade da mídia.
Num evidente retrocesso para
a liberdade de expressão, ela
abre portas para se reduzir ainda mais a diversidade de conteúdos de TV, jornais e internet.
O "Estado de S.Paulo" publicou na quarta uma tabela com
exemplos de prováveis fusões envolvendo o próprio "Times", Disney, AOL Time Warner, Gannett, NBC etc.
Cai sobre a mídia dos EUA
uma tempestade sombria, cuja
intensidade está por ser medida
e cujas consequências em outros
países -Brasil inclusive- são
inevitáveis. Pior: a capacidade
que ela terá de sair bem dessa
crise é uma grande incógnita.
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