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OMBUDSMAN
A vida como ela (não) é
BERNARDO AJZENBERG
A Folha costuma se sair
bem nas reportagens relacionadas ao Poder -seja o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário.
Apesar de algumas oscilações, foi
o que ocorreu, nessa semana,
com a cobertura da ação da Polícia Federal e promotores (Operação Anaconda) e a dos atentados
contra a Polícia Militar em SP.
Dois outros casos que eclodiram nos últimos dias revelaram,
porém, falta de discernimento e
insensibilidade do jornal quando
o tema afeta, ainda que de modo
indireto, a vida concreta, o bolso,
o dia-a-dia do seu leitor.
Há meses, filas enormes de idosos se formam para pegar formulários e encaminhar pedidos de
revisão de valores de pensões ou
aposentadorias. O prazo para isso vence no próximo dia 20.
A Folha não tem dado atenção
a essa "mobilização". Ela só surgiu (um pouco) em suas páginas
a partir de uma outra questão
envolvendo o INSS, na semana
passada.
Com efeito, na quinta-feira, o
jornal editou reportagem informando que o governo suspendera, desde segunda, o pagamento
de benefícios para quem tem
mais de 90 anos de idade ou 30
anos de aposentadoria, alegando
necessidade de recadastramento
devido a fraudes. Isso envolve 105
mil pessoas.
Dois pontos, aqui, a comentar.
A suspensão começou na segunda, e o jornal só a divulgou
na quinta (o jornal "O Dia", do
Rio, por exemplo, deu a notícia
antes, na quarta-feira).
Além disso, o registro da Folha
era apenas factual. A única "fonte" citada foi oficial: a assessoria
da Previdência. Nenhum depoimento de aposentado, nenhum
relato de caso real.
Registre-se, entre parênteses,
que apareceu, sim, um elemento
"acalorado" na reportagem. Foi
ao pé do texto, sob a forma de um
comentário crítico ao INSS, que
"deveria ter dado ampla publicidade ao fato e prazo maior para
o recadastramento antes de suspender os pagamentos".
Mesmo esse parágrafo opinativo, porém, constitui algo esdrúxulo, como registrei na crítica interna daquele dia: "Sem entrar
no seu mérito, ele (o comentário)
me parece, em qualquer caso, estar num local inapropriado (...)
O precedente, acredito, é perigoso em relação à separação que
deve haver, na Folha, entre notícia e opinião".
Idêntico tom frio e protocolar
caracterizou a reportagem do
dia seguinte (sexta), sobre o recuo do governo, que, ante a reação, suspendeu o bloqueio dos
benefícios. Diferentemente do
que fez, por exemplo, o "Globo", o jornal foi incapaz de oferecer ao leitor uma
imagem, um depoimento expressivo, um serviço útil e esquematizado de orientação. Nada propiciou além da informação oficial.
Só ontem, depois que o ministro Ricardo Berzoini (Previdência) pediu desculpas aos nonagenários, o jornal dedicou a estes
espaço mais generoso
e conteúdo diferenciado.
A resistência da Folha a entrelaçar um problema amplo com
situações particulares sintomáticas se evidenciou, também, no
caso do casal de namorados Liana Friedenbach, 16, e Felipe Silva
Caffé, 19, alunos de um dos colégios mais tradicionais da capital
paulista, desaparecidos desde sábado entre Juquitiba e Embu-Guaçu, na Grande São Paulo,
onde foram acampar.
O episódio saiu no "Diário de
S.Paulo" na quarta. Ao recuperá-lo, na quinta, a Folha produziu um texto robótico, descritivo,
com fotos de arquivo do rosto da
adolescente.
Nesse mesmo dia, o "Estado de
S.Paulo" trazia uma foto de um
helicóptero no meio do mato,
com policiais e o pai de Liana. O
"Diário de S.Paulo" produzia entrevistas e fotos ("quentes", de reportagem) das duas famílias.
Na sexta, idem: no "Estado",
declarações e foto do pai, imagem do quiosque sob o qual a
barraca dos jovens teria sido armada, depoimentos de colegas
sobre o casal (veja no quadro);
na Folha, fotos de arquivo e um
texto relatorial, sem nenhuma
citação entre aspas.
Não é preciso longa experiência jornalística para saber que,
mesmo derivando de uma dimensão pessoal, tais temas
-aposentados e sumiço de jovens de classe média- tocam
fundo no leitor e, nessa medida,
ganham relevância noticiosa.Tanto quanto são relevantes,
embora numa dimensão mais
institucional, a Operação Anaconda e os atentados à PM.
A Folha, porém, pareceu colocar-se, aqui, um falso dilema.
Privilegia a interlocução com o
Poder e seus assuntos, valorizando o leitor-cidadão, ao mesmo
tempo em que se afasta desse
mesmo leitor como indivíduo,
com iras e dramas particulares.
Será impossível ao jornalismo
unir as duas dimensões?
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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