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OMBUDSMAN
Comédia sem graça
BERNARDO AJZENBERG
O ano não esperou o Carnaval para começar. Basta
mencionar sobrenomes como
Eller, Daniel e Olivetto.
A julgar pelas conclusões oficiais, alguns veículos da imprensa pisaram feio na apuração da
causa da morte de Cássia Eller.
Muita trapalhada se viu nos
primeiros dias de cobertura do
assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André.
Tudo indica, até agora, que o
episódio do sequestro do dono
da W/Brasil, mais recente, não
enfrenta tantos enigmas.
Não creio que a cobertura da
Folha nesses casos a tenha comprometido. Mas um primeiro
deslize surgiu no noticiário sobre
o 2º Fórum Social Mundial
(FSM), entre 31 de janeiro e 5 de
fevereiro, em Porto Alegre.
Acredito que o jornal não tenha estado à altura do desafio
que a cobertura do evento exigia.
POA e NY
Os participantes do FSM podem ser divididos em organizações não-governamentais, sindicatos, entidades, partidos, ativistas, políticos, intelectuais, indivíduos ou grupos exóticos.
A uni-los, uma ainda difusa
crítica à "globalização selvagem" e a busca de uma também
difusa "globalização saudável".
Como na primeira versão
(2001), ele se deu em paralelo ao
Fórum Econômico Mundial, tradicionalmente realizado em Davos (Suíça), mas neste ano ocorrido em Nova York. Ali se reúnem há três décadas líderes políticos e econômicos e intelectuais.
Constatação óbvia: em Porto
Alegre, os insatisfeitos com a ordem mundial; nos EUA, os senhores do mundo, preocupados,
e seus teóricos.
Só que a coisa não pode ser tratada de modo tão simples assim.
Em especial o FSM, por ser fenômeno novo -uma babel com
mais de 51 mil participantes de
131 países, 4.900 organizações,
centenas de oficinas, reuniões,
palestras- , exigia um modelo
igualmente novo de cobertura.
Sem o essencial
A Folha mostrou críticas ao PT
por usurpar o fórum com fins
eleitorais; trouxe entrevistas com
intelectuais ou ativistas; ressaltou os aspectos de feira e circo
que o evento abrigava; as manifestações públicas (invasões de
prédio pelo MST, passeatas), os
acordos políticos ou as rivalidades já preexistentes (como no caso da crise do PT gaúcho); publicou comentários críticos ao
evento. Tudo bem.
Mas os leitores do jornal não
foram informados, ao menos até
a sexta-feira, a respeito do mais
importante: os assuntos e as propostas ali debatidos.
Em carta publicada na segunda-feira, um leitor reclamava:
"Talvez a Folha devesse prestigiar de maneira mais séria as
discussões de alto nível realizadas na cidade".
O editor de Brasil, Fernando
de Barros e Silva, discorda dessa
visão. Em contestação a crítica
interna que fiz a partir da edição
da quarta, ele afirma:
"O problema, mais complexo, é
que essa insatisfação assume hoje formas variadas e se presta a
interesses, discursos e atitudes
pulverizados, anômicos. Daí a
dificuldade de discutir as "idéias"
do fórum. Elas não existem da
maneira como o ombudsman
gostaria que existissem. O fórum
é um composto de ONGs propondo coisas (neste ano foram
mais de 700 oficinas, que funcionam como mônadas, cada uma
voltada para a discussão de seus
projetos), de estrelas intelectuais
fazendo palestras, de vitrine eleitoral para políticos e de movimentos sociais criando factóides
anticapitalistas".
Difícil afirmar se as discussões
na capital gaúcha foram ou não
de "alto nível", pois a Folha
-como a maior parte da imprensa- trouxe precária informação a esse respeito, afora os
temas Alca e criação de um tribunal penal internacional. E esse é o problema.
Talvez desaparelhado para a
cobertura de um evento tão fluido, o jornal perdeu a oportunidade de penetrar no coração impalpável do fórum, nem que fosse para demonstrar sua eventual
inocuidade. Restringiu-se aos
entornos das manobras e ao exotismo.
Afetado por essa fragilidade
na cobertura, acabou lhe dando,
no auge, um tratamento cômico
("Saramago azeda a festa; e a esquerda dança", esse foi o título
da principal reportagem do encerramento do fórum), tendendo
a desqualificá-lo como campo de
debate de alternativas.
Se o fizesse em editoriais ou em
análises, ainda faria sentido
-questão de opinião. Mas não
no noticiário, que deve apresentar os fatos e tentar ser, como
tantas vezes o próprio jornal prega, isento, imparcial.
O FSM pode não se ter constituído em laboratório de grandes
soluções para os problemas do
mundo, mas isso não autoriza a
Folha a se travestir de "Casseta
& Planeta".
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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