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OMBUDSMAN
Vozes na barbárie
BERNARDO AJZENBERG
Leitor número 1:
"Sou médico e trabalhei em
pronto-socorro durante mais de
dez anos. Habitualmente convivemos com policiais e percebemos que a sua vida não é fácil. Se
tratam com cordialidade, podem ser surpreendidos pela truculência dos transgressores que
provêm dos piores meios possíveis. Recentemente em Araraquara (SP) um policial, pai de
família, perdeu a vida ao abordar com diplomacia um indivíduo que acabara de assaltar
uma loja a três quarteirões. Levou um tiro à queima-roupa como resposta".
Leitor número 2:
"É incrível como, diante da
violência que nos assola, que nos
aprisiona em nossas casas, que
nos tira a liberdade de podermos
visitar pontos turísticos da cidade, frequentar bares e restaurantes, ou mesmo de tomar um sorvete na esquina, não encontramos na Folha ninguém a fim de
realmente tomar uma posição
que possa valorizar uma operação policial que poderia ser uma
fonte geradora de auto-estima
para nossos policiais, que recebem um salário desumano para
o risco que correm".
Leitor número 3:
"Vocês, da Folha, também precisam esclarecer melhor de que
lado estão: do lado da lei ou do
lado dos que acham que os criminosos são uns coitadinhos".
A primeira mensagem surgiu a
partir de reportagem do sábado
passado, dia 2, intitulada "PM é
flagrado agredindo assaltante
deficiente". As outras duas se referem à operação da Polícia Militar em Sorocaba (SP), na última terça-feira, que brecou uma
ação criminosa e resultou na
morte de 12 integrantes do PCC.
Se as reproduzo, é porque expressam uma parcela significativa de leitores do jornal descontentes com o que consideram
uma parcialidade no tratamento dado à questão da segurança
pública.
Não há estatística a demonstrar serem eles majoritários, mas
é sem dúvida válida a polêmica
que suscitam.
Especialistas
Como a dengue, também este
tema é hoje objeto de exploração
política. Tão premente, que até
um partido em cuja tradição ele
não marcava ponto, como o PT,
viu-se obrigado a apresentar
propostas concretas dias atrás,
com pompa e circunstância, enquanto o governo Alckmin, sob
pena de naufragar, demonstra
disposição para reagir.
Comentando a edição de quarta-feira, lamentei em crítica interna o fato de que nenhum analista favorável à ação da PM em
Sorocaba fora ouvido na reportagem "Para especialistas, mortes abalam eficiência da ação".
Todos ali a questionavam, em
nome dos direitos humanos.
Pareceu-me estranho, já que
boa parte da população e da mídia (com destaque para o rádio)
exultava diante do ocorrido.
Não quero, aqui, fazer a defesa
da megaoperação, nem de outra
semelhante -mais cinematográfica, embora menos letal-,
efetuada pela Polícia Civil na favela Pantanal, na quinta-feira.
Tampouco cometeria a insensatez de colocar em dúvida um
dos pilares do bom jornalismo,
que é a posição crítica e questionadora diante dos fatos.
Pluralismo
A questão reside em avaliar
um outro fundamento, outro
princípio igualmente básico do
jornalismo que a Folha se propõe a cultivar: o pluralismo.
Por mais que o jornal expresse
em editoriais suas preocupações
("deve ser avaliado se o uso da
força na Castelinho não foi desproporcional", pede o editorial
"Reação policial", da quinta-feira), é obrigação da reportagem
oferecer a mais ampla visão dos
acontecimentos, com toda sua
complexidade e suas repercussões nem sempre uníssonas.
Respeitar o direito do leitor de
ter acesso a visões conflitantes.
Não permitir que eventuais posições adotadas por colunistas ou
editorialistas ofusquem a pluralidade que deve caracterizar a
apuração jornalística.
O editor de Cotidiano, Nilson
de Oliveira, explica ao ombudsman que "entre os especialistas
em segurança consultados pela
Folha, não houve nenhum que se
manifestasse favorável à ação da
Polícia Militar".
E acrescenta: "Quem acompanha as frequentes discussões sobre segurança pública no país dificilmente vai encontrar algum
técnico que defenda iniciativa
repressiva da envergadura da
promovida pela polícia paulista
na semana passada".
Ora, depende do que se quer dizer com "especialista" e "técnico". A Folha não publicou, mas
pude ler em outros jornais manifestações favoráveis à operação,
e não apenas da própria polícia
(como o comandante-geral da
PM na seção Tendências/Debates de ontem) ou de autoridades
atreladas ao governo. A começar
pela "bancada da segurança" na
Assembléia Legislativa.
Podem até ser opiniões menos
qualificadas intelectualmente,
quem sabe, mas isso não as torna menos representativas.
Todo mundo sabe que o assunto segurança tende a ganhar cada vez mais presença na "boca
do povo", seja pela insegurança
vigente, seja por sua inseminação nos comícios e programas
eleitorais.
Só por isso, e por mais que possa ferir certas sensibilidades, já
seria fundamental que a Folha
preservasse a imparcialidade na
cobertura do tema, batendo-se
por ouvir vozes discordantes, sob
pena de ser instrumentalizada,
sem querer, por militâncias deste
ou daquele lado.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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