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OMBUDSMAN
O outro lado na lua
BERNARDO AJZENBERG
É difícil entender como um
jornal consegue desrespeitar
na prática, de forma explícita e
concentrada, um de seus princípios mais caros.
Pois a Folha cometeu esse feito, nos oito primeiros dias deste
mês de junho, com a questão do
"outro lado".
Para que o leitor entenda do
que se trata, peço licença para citar o "Manual da Redação" do
jornal (pág. 26):
"Quando o repórter dispõe de
uma informação que possa ser
considerada prejudicial a uma
pessoa ou entidade, é obrigatório que ele ouça e publique com
destaque proporcional a versão
da parte atingida".
Apenas neste mês, nove reportagens, de diferentes seções, atropelaram essa regra.
O ex-secretário da Presidência
da República Eduardo Jorge
Caldas Pereira foi vítima duas
vezes na semana passada.
A primeira aconteceu no dia 6,
quarta-feira, na reportagem
"Relatório aponta "divergências"
em IR de EJ", a qual informava,
com exclusividade, que investigação da Receita Federal encontrou "indícios de montagem" e
de "atos nebulosos" em declarações de renda de EJ.
Em cima de um texto no qual
este rebatia tais acusações específicas (procedimento correto da
reportagem), editou-se, no entanto, um quadro ilustrado, com
resumo do suposto envolvimento do ex-secretário em outros nove casos, em diversas áreas de
atuação, do escândalo da obra
do TRT-SP à defesa de interesses
em licitação para o Denatran.
No quadro, nenhuma linha sobre o que EJ tem alegado, em defesa de sua pessoa, nesses casos.
No dia seguinte, novo rol de
acusações contra o empresário é
publicado, no texto "Comissão
do Senado vai reabrir caso EJ".
Mais uma vez, nenhuma linha
do "outro lado".
Oportunismo e covardia
As nove reportagens a que me
referi foram inauguradas com
texto publicado no dia 1º intitulado "Ministros condenam ataque a presidente no STF".
Tratou-se da reação do governo às críticas políticas feitas a
FHC pelo presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, em
discurso na posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello.
No texto, membros do governo
o acusam de oportunismo, deselegância, desrespeito e covardia
-sem que ele seja ouvido.
Deve-se deixar claro que a lista
de reportagens de junho que
afirmo omitirem a versão dos
acusados exclui os casos de publicação tecnocrática do "outro
lado", procedimento também
desaconselhado pelo "Manual".
Segundo o seu texto, "isso (ouvir
o "outro lado') não deve ser feito
de forma mecânica, apenas para
cumprir uma praxe técnica ou
burocrática".
O que dizer, então, do último
parágrafo da retranca "Outro
lado" da reportagem "Resíduo
tóxico contamina área rural",
publicada quinta-feira?
Depois de, adequadamente,
informar a posição de várias empresas que negam haver depositado resíduos numa área rural
em Santo Antônio de Posse (SP),
o texto conclui: "A reportagem
não conseguiu contatar ou obter
resposta em algumas delas porque as empresas encerram expediente às 17h". Ora, os jornalistas só trabalham depois das 17h?
Tratamento semelhante recebeu o material sobre a prisão do
ex-presidente da Argentina Carlos Menem na edição de sexta-feira. Em duas páginas sobre o
assunto, o único "momento" em
que se dá chance ao "outro lado"
está num quadro (chamado
"Relações perigosas") no qual,
entre outras informações, se resume a denúncia que pesa sobre
o político. E o que se apresenta
ao leitor como "outro lado"? "Ele
nega as acusações".
Direito de julgar
Para o jornalismo, o princípio
do "outro lado" não é uma questão menor. Ao contrário, diz respeito à credibilidade do jornal,
do repórter, do editor.
Se encontra definição e regulamentação tão explícitas, é porque atende à idéia de que o leitor
não apenas é capaz de tecer o seu
próprio juízo sobre possíveis versões divergentes de um fato como também tem o direito de conhecê-las.
Mais do que isso: conforme adverte, novamente (perdoe, leitor), o "Manual" da Folha, "o
outro lado também pode levar o
jornalista a refazer sua apuração, ou mesmo abandonar a notícia, se trouxer uma informação
procedente que desminta a perspectiva inicial da reportagem".
O poder desproporcional que a
mídia possui, sua potencial capacidade para "assassinar" reputações ou levá-las para bem
perto do fundo do poço têm de
ser compreendidos plenamente
por quem exerce o ofício.
Descartada a má-fé, pode-se
concluir, com base na irregularidade jornalística sobre o "outro
lado" deste início de mês na Folha, que tal entendimento nem
sempre vigora -o que faz gente
bem-intencionada descambar,
desastrosamente, para a absoluta irresponsabilidade.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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