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OMBUDSMAN
O peso do erro
BERNARDO AJZENBERG
Caminhamos em gelo fino.
Qualquer notícia, ou falta dela, acaba sacudindo o mercado,
que está muito receoso. Especialmente os investidores estrangeiros, que ainda não dão o benefício da dúvida ao PT.
O parágrafo acima foi formado com frases de "gente do mercado" publicadas na imprensa
na quinta-feira. No dia anterior,
uma reportagem do "Washington Post" registrava: "Os mercados financeiros internacionais
ainda estão efetivamente apostando que o Brasil seguirá o caminho da Argentina, que deu
um calote na sua dívida no início do ano e mergulhou numa
profunda crise econômica. Tais
previsões, quando feitas pelos
mercados, têm a tendência sórdida de se transformar em profecias que se auto-realizam".
Pois foi esse clima de tensão e
dúvidas que a Folha agitou ainda mais ao divulgar, na quarta-feira, uma informação com um
erro crasso.
Numa nota de redação confusa e em muitos pontos obscura, a
Prefeitura de São Paulo anunciara, em resumo, que em vez de
amortizar uma parcela que vencia de sua dívida com a União,
preferira adiá-la e assumir um
aumento dos juros, conforme
opção prevista no contrato de refinanciamento assinado com a
União em 2000.
Na edição nacional, porém,
um título na capa dizia: "Prefeitura de SP vai dar calote de R$ 3
bi na União". Na reportagem, o
calote também aparecia.
Percebendo seu erro, o jornal
trocou o título da capa ainda em
parte da edição nacional. Mas a
palavra "calote" -que implica
ruptura de contrato- ficou no
texto, para só sumir totalmente
na edição SP/DF (veja o quadro
acima). Um "Erramos" na edição nacional de quinta admitiu
a falha.
Fosse a situação econômica e
política do país menos tensa, talvez as consequências do erro
não tivessem sido tão graves.
Uma entrevista à Folha na
qual a prefeita paulistana falava
no assunto, em 8 de abril de
2001, por exemplo, tinha como
título "Marta dará calote de R$
2,1 bi em 2002", sem que o uso da
expressão, na época, tenha causado grande transtorno (não significa, claro, que um erro justifica outro erro).
O fato é que, na quarta, diante
de um noticiário enviesado, o
dólar, que caíra por cinco dias
seguidos, subiu 3,83%; azedou-se o humor do mercado; e especulações negativas ressurgiram
sobre a postura do futuro governo quanto a contratos em geral.
Esclarecido aquilo que se
anunciou depois como um
"mal-entendido", um "desencontro de informações", cabem
pelo menos duas conclusões.
Primeiro: a Folha não soube
interpretar tecnicamente a decisão. Tivesse consultado algum
especialista em contas públicas,
checado a informação a fundo
com a Secretaria das Finanças,
consultado seus próprios arquivos -ou seja, tivesse feito o básico de uma reportagem preocupada com a exatidão-, é lícito
supor que teria dado um outro
tratamento à notícia.
Não só evitaria o perigoso, delicado e sensacionalista uso da
palavra calote, como deixaria
claro que a medida adotada era
opção prevista em contrato -o
que não aconteceu em nenhum
momento no jornal de quarta
(inclusive na edição SP/DF).
Segundo: falharam os filtros
internos de que o jornal dispõe
para evitar que erros cometidos
na origem da apuração jornalística perdurem até a impressão,
ainda mais em matéria com presença na sua primeira página.
Não estamos falando de jornalismo ao vivo (rádio, TV) ou em
tempo real (internet).
O "Manual da Redação" da
Folha, é bom lembrar, recomenda "redobrada vigilância quanto à verificação prévia das informações, à precisão e inteireza
dos relatos, à sustentação técnica
das análises e à isenção necessária para assegurar o acesso do
leitor aos diferentes pontos de
vista suscitados pelos fatos".
É quando se caminha sobre gelo fino que a aplicação de uma
referência como essa se torna
ainda mais obrigatória.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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