|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
Fora do alvo
BERNARDO AJZENBERG
Do dia em que o Brasil foi
pentacampeão até ontem, a
Folha publicou 40 edições. Delas,
nada menos do que 35 (ou 88%)
versaram sobre economia.
Mais do que revelar uma fixação do jornal pelo tema, esse fato
expressa a gravidade da situação econômica internacional
-alimentada aqui, inclusive,
pelas ansiedades eleitorais.
O assunto ganhou ainda mais
presença na semana passada,
com a finalização dos termos do
novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
E o que se viu, na cobertura
desse caso, foi que, apesar de seu
sistemático acompanhamento
do mundo financeiro -e embora se tenha saído menos mal do
que a concorrência-, o jornal
errou na maioria das tentativas
de adiantar aos leitores o que se
definia entre Brasil e FMI.
O problema, aqui, vai além da
mera falha de previsão. Os valores e o formato do acordo têm relação direta com a dimensão da
crise e com a intensidade da luz
que se pode enxergar no fim do
túnel. Expor números a respeito
dele, portanto, é interferir de alguma forma na realidade; implica evidente responsabilidade.
O primeiro jornal a noticiar a
articulação de um novo acerto
com o Fundo foi o "Valor", em 5
de julho (veja o quadro). De lá
para cá, os veículos entraram
numa espécie de corrida maluca
para ver quem revelava antes a
forma e o recheio do doce.
Na edição de 27/7, por exemplo, a Folha afirmou que a intenção do Brasil era obter empréstimo entre US$ 5 bilhões e
US$ 10 bilhões, com prazo de seis
a 12 meses.
Na última quarta, informava
que o FMI poderia oferecer de
US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões
em novos recursos, num pacote
que no total, com outras eventuais operações, chegaria a US$
25 bilhões.
Pois, pelo divulgado no dia seguinte, só de recursos novos foram US$ 30 bilhões. Isso, sem falar em outros itens do acordo
que saíram diferentes do trazido
como provável pelo noticiário
(prazos, superávit primário, rolagem ou não de dívidas preexistentes, redução do piso das reservas internacionais líquidas, por
exemplo).
Registre-se que nem sempre foi
assim. Nos acordos de 1998 e de
2001, a Folha saiu-se melhor.
Em 12 de novembro de 1998,
por exemplo, uma reportagem
estimava em US$ 42 bilhões o
pacote então em gestação (dias
antes, já se adiantara que poderia chegar a US$ 45 bilhões). O
acordo, conforme noticiado em
14/11, totalizou US$ 41,5 bilhões.
No ano passado, texto de 1º de
agosto calculava um saque entre
US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões.
O pacote, traz a edição de 4 de
agosto, foi de US$ 15 bilhões.
Vinicius Torres Freire, editor
de Dinheiro, admite ter havido
imprecisão, mas avalia que a cobertura do recente acordo foi
mais difícil do que as anteriores.
"Havia menos pessoas e instituições (portanto, possíveis fontes) envolvidas na negociação, e
o acordo foi discutido e fechado
em praticamente uma semana,
contra dois meses em 98, por
exemplo", explica.
As fontes do setor privado,
acrescenta, não tinham desta
vez mais informações do que os
jornalistas.
Ademais, "tratava-se agora de
uma negociação nova, a ser honrada por um novo governo que
pode vir a ser de oposição" -o
que multiplicou a incerteza do
que poderia ser acertado.
Outra dificuldade, conforme
Torres Freire: a "lei do silêncio"
foi cumprida à risca por técnicos
do Fundo e do governo.
Fazem sentido essas considerações. Acrescento, porém, que, em
meio a tais barreiras, o clima de
incertezas da disputa eleitoral, a
tensão nos mercados e a pressão
da concorrência entre os jornais
parecem ter feito agigantar-se a
normalmente enorme pressa dos
jornalistas -crescendo, com ela,
os riscos de se cometerem equívocos.
Na falta de informação totalmente confiável, é sempre melhor economizar papel e poupar tempo ao leitor, que, afinal, não tem nada a ver com isso.
Próximo Texto: A novidade Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|