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OMBUDSMAN
Homenagens e obituários
BERNARDO AJZENBERG
É humano louvar um morto.
Quanto mais "ilustre" e popular ele seja, mais abrangente a
homenagem.
Não espanta, portanto, a dimensão dada terça-feira pela
imprensa à morte de Jorge Amado. Horas de TV e rádio, internet, suplementos, destaque inusual nos jornais.
Todos tiveram tempo para
preparar o material antecipadamente, já que o escritor dava sinais, havia meses, de que não resistiria por muito tempo.
Mesmo assim, houve surpresas, infelizmente, desagradáveis,
ao menos na Folha, inclusive em
seu caderno especial.
A mais chocante foi a eleição
de um texto-depoimento do escritor Paulo Coelho como obituário único e destacado na Primeira Página, logo abaixo da
notícia propriamente dita.
Todo brasileiro que aprecia livros -a começar por ele próprio- sabe que o autor de "As
Valkírias" está longe de ser um
crítico ou estudioso, autoridade
literária, acadêmica, ou ainda
um ficcionista cujas obras se
cruzem com as de Amado.
A única real aproximação entre as duas figuras está na quantidade de livros vendidos.
A decisão de alçar o depoimento de Coelho, em meio a
tantos outros, para o espaço
mais nobre do jornal (sua capa)
denota, péssimo sinal, uma opção pela valorização do mercado, daquilo que vende, independentemente do que o autor represente.
O resultado foi, mais, uma homenagem a Coelho do que a
Amado. Em crítica interna, caracterizei tal inusitada seleção
como uma "rendição cultural".
É irônico que, na quarta-feira,
o jornal "Valor" tenha trazido
uma reportagem com o seguinte
título: "Morto Jorge Amado,
Paulo Coelho é o rei definitivo",
sobre vendagem de livros.
Coelho não tem nada a ver
com isso, diga-se bem claro. Faz
o seu trabalho. O problema esteve na edição do jornal, que, não
duvido, ele mesmo deve ter estranhado.
Afora alguns dados equivocados (corrigidos depois em "Erramos"), a Folha emplacou outro
engano: o de produzir um caderno no qual a louvação recebeu
espaço exagerado, em detrimento de textos críticos e aprofundados sobre Amado.
O "Jornal do Brasil", "O Globo" e "O Estado de S.Paulo"
trouxeram mais elementos de
distanciamento e análise do autor do que a Folha -contrariando, enfatize-se, uma tradição que parece definhar.
Ninguém na Folha escreveu a
fundo sobre a literatura de
Amado, seus itens negativos e
positivos, altos e baixos. Só de
raspão se mostra ao leitor a relação entre obra e atuação política, suas oscilações atreladas.
Não foi Rachel de Queiroz, por
exemplo, quem introduziu
Amado no comunismo, ainda
jovens? Não é a autora outra expoente do regionalismo?
Por que ela só aparece em algumas linhas, perdida entre outros autores e personalidades na
chamada "repercussão"?
Por falar em "repercussão",
pergunto: por que o jornal, em
vez de ecoar previsíveis ladainhas (tipo "a literatura mundial
perde a referência de um Brasil
sem caricaturas, de alguém que
descrevia com genialidade o povo brasileiro..."), não trouxe
uma saída enriquecedora, fazendo, por exemplo, perguntas
específicas a certas pessoas sobre
determinados aspectos da obra,
sua importância nisso ou naquilo, qual o legado dele para a literatura brasileira etc?
Destaque-se, por fim, que os
textos editados sob o título "Folha publica dois trechos inéditos" não são inéditos.
O próprio jornal já os havia
publicado em edição sobre
Amado no Natal de 1994 (veja
acima). Além disso, eles foram
retomados em 1997 em edição
sobre o autor nos Cadernos de
Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles.
A Folha acertou ao dar a morte de Amado como manchete,
enquanto outros jornais não o
fizeram. Publicou um caderno
que satisfaz como referencial
(números, relação de obras, cronologia, fotos).
Mas pecou nos itens apontados acima, deixando de levar ao
leitor um produto mais denso,
arranhando, com isso, muito de
sua tradição.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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