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OMBUDSMAN
Bulhufas
BERNARDO AJZENBERGP
Jornal não é TV. Reportagem
não é telenovela. Mas ocorre
com frequência leitores chegarem ao final de um texto com a
sensação de que alguma coisa
importante, às vezes essencial, ficou faltando; de que só o capítulo seguinte poderia, talvez,
preencher o vazio deixado.
Se na ficção da TV o suspense
provém de um artifício, parte do
jogo -segredo, até, de sucesso-
, no jornal é diferente: a lacuna
pode ser resultado, simplesmente, de uma falha.
Dois exemplos retirados da Folha da semana passada:
Na segunda-feira, o jornal publicou uma reportagem sobre a
Conferência Internacional de
Aids, que se realizava em Barcelona (Espanha). Título: "ONU
elogia programa brasileiro de
Aids".
Quem acompanha o assunto
de perto certamente conhece como funciona o chamado modelo
brasileiro de "troca de seringas".
Mas, para a imensa maioria de
leitores, ele não passa de um rótulo.
Num momento como esse, o
jornal estaria mais a serviço de
seus leitores se ao menos explicasse como se estrutura, de que
verba dispõe, como se articulam
os diversos organismos atuantes
nesse programa. Tais informações, porém, não constam da
matéria.
A notícia está lá? Sim. Havia
erros? Nada indica. Mas deu
mesmo para entender o assunto?
Nem tanto.
Na quinta, um texto anunciava: "Europa propõe corte de subsídio agrícola". Notícia importante, referente à Política Agrícola Comum (PAC), com possíveis
consequências para a agricultura brasileira.
Nenhuma explicação havia,
porém, sobre o que é, como se formou e como são postos em funcionamento os mecanismos da
tal PAC.
Por mais que quisesse, o leitor
não encontraria, ali, elementos
para se aprofundar minimamente sobre o assunto e captar
por que, por exemplo, a França é
um dos países que mais se opõem
a essa mudança.
Telefone dental
Ocorre-me, também, uma pequena e interessante nota publicada na Folha Equilíbrio de 27/
6 sob o título "Telefone dental":
"Engenheiros ingleses criaram
um telefone para ser implantado
no dente. Trata-se de um pequeno vibrador e de um receptor de
ondas de rádio. Para "instalá-lo",
basta passar no dentista. Os criadores antecipam que esse será o
primeiro implante não-médico a
ser colocado no corpo".
Dá a impressão de que o tal celular já está disponível, bastando, para tê-lo, "passar no dentista".
Dois dias depois, porém, li reportagem em outro jornal ("O
Estado de S.Paulo", reproduzindo texto da agência "Associated
Press"), segundo a qual se trata
apenas de um protótipo, cuja fabricação não teria sido, ainda,
anunciada por nenhuma empresa.
A Folha publicou a notícia antes -e isso tem seu mérito. Mas
pecou ao não deixá-la clara. Numa comparação bem cartorial, é
como preparar um contrato, enchê-lo de carimbos e submetê-lo
às partes, para assinatura, com
as datas de pagamento/recebimento em branco.
Verdade que, se texto de jornal
não é novela de TV, tampouco se
pode pensá-lo como tese acadêmica. Certo grau de superficialidade faz parte do produto.
O desafio, para o jornalista, é,
dentro dessas limitações, embutir no texto o máximo possível de
histórico e contextualização dos
acontecimentos, para que a notícia principal, concentrada, em
princípio, no título, não resulte
numa abstração, um dado, em
última instância, virtual.
Se fosse possível a certeza de
que todas as dúvidas encontradas ao longo da leitura de um
diário seriam sanadas nas edições seguintes, nada disso teria
importância. Mas a verdade, como se sabe, está bem longe daí.
Cabe ao jornal o empenho para evitar uma deglutição de notícia enganosa, aquela em que o
leitor, ingenuamente, crê ter
captado tudinho, quando, na
realidade, ficou sem entender
bulhufas.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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