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OMBUDSMAN
Mudem-se os fatos
BERNARDO AJZENBERG
Manchete da Folha de
quinta-feira: "Paulistano
mais teme que confia na PM".
Título do texto interno, na edição nacional: "Aumenta confiança do paulistano na PM". Na
edição SP/DF: "Diminui desconfiança do paulistano na PM".
A diferença entre esses enunciados, todos referentes à mesma
pesquisa Datafolha -sobre a
imagem da Polícia Militar entre
a população de São Paulo-, levou um leitor de Lorena (SP) a
escrever-me, sexta, o seguinte:
"Não se deve examinar esse
desencontro das manchetes do
ponto de vista do mero erro. Na
verdade, elas são exemplo claro
de que manchetes variam em relação ao conteúdo da notícia,
podendo ressaltar do seu aspecto
mais negativo ao mais positivo,
em função, por exemplo, de tendências editoriais, interesses políticos e conveniência de "espetacularização" do fato".
O raciocínio é perfeito, e diz
muito a respeito da distorção
efetuada pela Folha, a meu ver,
na interpretação daquilo que de
mais importante indicam os dados principais daquela pesquisa.
Quais eram esses dados? 54%
dos paulistanos têm mais medo
do que confiança na PM, ante
41% que expressam opinião contrária e 5% que "não sabem".
Vistos de modo estático, como
num retrato, os percentuais autorizam a formulação da manchete da Primeira Página ("Paulistano mais teme...").
Ocorre que essa pesquisa já foi
feita pelo mesmo Datafolha, com
idêntica metodologia, em outras
três oportunidades. Na primeira,
em 1995, "mais medo que confiança" tinha 51%; em 1997, o
item subiu para 74%; em 1999,
caiu para 66%; e agora (nov/dez
de 2003), está nos tais 54%.
Primeira conclusão: "sempre"
houve mais medo do que confiança. Segunda conclusão: de
1997 para cá, esse medo/desconfiança só fez diminuir, caindo 20
pontos percentuais.
Deixe-se de lado a diferença
entre os títulos internos da edição nacional e da edição SP (parece claro que o segundo é conceitualmente mais preciso e que,
por isso mesmo, foi introduzido,
na edição mais tardia, no lugar
do outro). Fiquemos, aqui, no essencial.
Qual é a informação jornalisticamente mais relevante? O retrato estático ou o movimento
no sentido de uma redução da
imagem negativa da PM?
Dinâmica
Questionada pelo ombudsman, a Secretaria de Redação do
jornal enviou-me a seguinte
avaliação:
"Mesmo que venha caindo a
desconfiança, o espantoso, por
isso noticioso, é que o paulistano
tenha mais medo que confiança
na Polícia Militar. A PM existe
para dar segurança aos cidadãos. Se, em vez disso, ela desperta medo e desconfiança, estamos diante de uma notícia."
"Justamente porque havia
também a informação relevante
de que essa desconfiança estava
caindo ela foi destacada na linha fina da manchete e a editoria [Cotidiano] foi orientada a
abrir o material dessa forma,
complementando a manchete do
jornal", conclui a secretaria
Respeito o argumento, mas vejo, nele, uma inversão de pesos.
Na minha opinião, ante o calor do noticiário explosivo referente ao assassinato do inocente
dentista Flávio Ferreira Sant'Ana por policiais-militares -de
caráter obviamente negativo em
relação à PM-, a Folha deixou-se levar por uma interpretação
distorcida do essencial da pesquisa (feita dois meses antes do
episódio) que lhe permitisse produzir uma manchete de Primeira Página "quente", bombástica
-além de corroborar a avaliação crítica que o jornal tem (e
que é, claro, do seu direito ter) a
respeito da política de Segurança do governo.
Ora, uma coisa é produzir editoriais incisivos e uma cobertura
investigativa séria, profunda e
crítica dos casos concretos que se
apresentem e que, eventualmente, incriminem a polícia; isso o
jornal costuma fazer, deve fazer.
Outra coisa, porém, como a
meu ver ocorreu aqui, é explorar
um caso atual para "bater" na
PM, quando o fato (a pesquisa)
mostra, acima de tudo, goste-se
ou não, uma melhora relativa
da imagem dessa corporação.
Analogamente, seria como, ao
longo de uma corrida eleitoral,
sempre dar como manchete que
o candidato X está na frente, até
mesmo quando o seu adversário
Y tenha denotado uma evidente
evolução, já quase encostando
no líder.
Haveria aí um erro factual?
Não necessariamente. Mas, com
certeza, o mais importante, em
termos jornalísticos, seria destacar a dinâmica expressa pelos
números.
Casos de "adaptação" de fatos
à "carta de intenções" de um jornal -isso vale para toda a mídia- não ocorrem só em pesquisas. E, quando ganham a
manchete da Primeira Página,
então, adquirem uma gravidade
ainda maior.
"Uma parcela razoável das
pessoas acredita estar informada apenas pela leitura das manchetes dos jornais expostos. Tais
pessoas não só ficam muito mal-informadas como, não raro, desinformadas por essa manipulação das manchetes", conclui, sabiamente, o leitor de Lorena.
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