|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
T.M.F., C.F. e E.F.
BERNARDO AJZENBERG
Na última terça-feira, por
volta das 17h30, um bebê de
5 meses morreu depois de ter sido atirado pela mãe da sacada
do terceiro andar de um edifício
de classe média-alta no bairro
de Pinheiros, em São Paulo.
Houve testemunha. A mãe, em
estado de choque, foi internada
em seguida no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde permanecia pelo menos até sexta-feira.
A notícia foi dada na internet
pela Folha Online no dia do
evento. Na quarta-feira, a Folha
trouxe a reportagem (veja o fac-símile, acima), com crédito para
o jornal "Agora", que correra
atrás do caso.
Em minha crítica interna, coloquei duas observações:
1) o texto, ignorando o aspecto
dramático da história, que inclusive se deu num meio social
que é o de grande parte do leitorado da Folha, teve tratamento
"absolutamente relatorial, frio,
taquigráfico, burocrático";
2) "não dá para entender por
que os nomes estão escondidos
por trás de iniciais (seria por se
tratar de classe "superior" e não
de uma família de favelados?)".
O primeiro comentário se refere ao estilo, à falta de sensibilidade editorial para tratar de
modo mais adequado acontecimentos como esse, merecedores
de textos mais trabalhados, que
dêem conta das particularidades
do caso.
Mas é o segundo comentário
que pretendo destacar nesta coluna. Ele diz respeito a um dos
temas mais difíceis com os quais
o jornalista é obrigado a lidar.
Principalmente o jornalista dedicado à cobertura de casos ligados ao noticiário policial.
A decisão de não revelar os nomes -em especial o da mãe do
bebê-, mesmo tendo sido estes
já expostos na internet, foi tomada pelo editor responsável do
"Agora", Nilson Camargo.
O que o levou a isso, segundo
explicou ao ombudsman, foi a
suposição de que sua divulgação
poderia prejudicar a mãe -autora do crime-, que, ao que tudo indicava, sofria (ou sofre) de
depressão pós-parto. Foi, portanto, uma decisão de caráter
humanitário.
Talvez a maioria dos jornalistas, no calor do fechamento, tomasse a mesma decisão. Talvez
a maioria dos leitores a aprove.
Mas ela precisa ser discutida.
Por coincidência, no dia seguinte, os jornais, inclusive a Folha, traziam um outro drama, similar, só que ocorrido no bairro
Cidade de Deus, em Osasco, envolvendo personagens de classe
média-baixa.
Uma mulher, após disparar
quatro tiros no ex-amante, tomou o filho de 8 anos como refém
e, por fim, cometeu suicídio. Todos os nomes foram expostos
-com exceção do da criança, o
que responde a determinação legal. Ora, será que neste caso se
pensou, na hora da edição, no
impacto psicológico que tal exposição poderia causar ao pai da
criança, ao ex-amante, aos tios
dela?
Carlos Eduardo Lins da Silva,
autor de trabalhos acadêmicos
sobre jornalismo e diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor", costuma dizer, a respeito de
ocorrências do gênero, que a posição humanitária é de procurar
diminuir a dor de todos, e que
quando o jornalista conhece pessoalmente ou se identifica (em
termos sociais ou culturais) com
os envolvidos fica ainda mais
complicado expô-los ao sofrimento, à humilhação, aos desdobramentos do ato praticado. E
acrescenta: mas é para isso que
existe a profissão.
Tratamento igual
O tratamento deve ser igual
para todos. Por mais polêmica e
difícil que seja, por mais antipática que pareça essa posição,
penso que o nome da mãe de Pinheiros deveria ser publicado.
Afinal, como ter certeza de que
ela fez o que fez levada por uma
depressão pós-parto? E mesmo
que a Justiça assim conclua, a
idéia de que a divulgação do nome poderia influenciar no tratamento médico parece insustentável, já que, internada, a pessoa
em questão nem saberia como a
imprensa está dando ou não está
dando publicidade ao caso.
Faria sentido, a omissão do
nome, caso tudo estivesse nebuloso, caso houvesse apenas suspeita de ato criminoso. Caso tudo estivesse baseado apenas numa acusação de terceiros a exigir
comprovações. Mas não é assim.
Insisto: se a Justiça, após averiguação do acontecido, optar por
essa ou aquela definição, em
função da análise da causa do
ato (distúrbio psicológico), será
outra coisa. No entanto, à imprensa não cabe prejulgar, muito menos diferenciar cidadãos.
Fosse assim, com o objetivo de
poupar os atores das tragédias
pessoais dos estragos que estas
causam, todo o noticiário de polícia dos jornais deveria omitir
nomes e sobrenomes -o que carece de sentido e de viabilidade.
Se não pode ser assim, então,
que haja a maior igualdade possível na composição editorial e
jornalística de dramas tão terríveis como esses.
Próximo Texto: Um blefe, a mídia e a Sudam Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|