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OMBUDSMAN
Biblioteca da salvação
BERNARDO AJZENBERG
A Folha e o "Globo" retomaram na semana passada a
política adotada em meados da
década de 1990 de estimular a
venda dos jornais acoplando-lhes um "brinde" -no caso,
uma coleção de 30 livros a preços, como se diz, convidativos.
Parece-me bizantina a discussão sobre se a iniciativa está certa ou errada -trata-se, afinal,
de uma decisão empresarial legítima. Dos leitores vieram muitas
críticas, mas também elogios.
O que merece reflexão, aqui,
são as possíveis causas, a pertinência e a eficácia da iniciativa
do ponto de vista institucional,
além do modo como ela interferiu, até agora, na produção jornalística propriamente dita.
A venda dos principais jornais
de circulação nacional do país
vem caindo há cerca de sete
anos, após o pico artificial entre
1994 e 1996 causado, justamente,
pela política de "brindes" (atlas,
dicionários, livros etc). Abordei o
tema aqui no último dia 23/2.
Ocorre que neste ano a situação não melhorou -e é, aliás,
lastimável que a mídia, ágil e
pródiga ao fornecer notícias negativas sobre outros setores,
mantenha um "silêncio ensurdecedor" quando o tema é sua própria saúde (ou a falta dela).
No primeiro quadrimestre, a
Folha vendeu em média menos
7,4% do que no mesmo período
de 2002; o "Estado de S.Paulo",
menos 9,8%; e o "Globo", menos
5,6%. Em relação às médias
anuais de 2002, as quedas foram
de 6%, 5,9% e 3%.
Estima-se que, entre abril e o
começo de junho, de 70 a 100 demissões de jornalistas ocorreram
nas Redações da chamada grande imprensa - Folha inclusive.
No último domingo, os leitores
souberam da extinção do TV Folha (parcialmente compensada
com a reedição da Ilustrada aos
domingos) e, hoje, é a vez da Folha Vale (edição regional para o
Vale do Paraíba, em SP).
A situação é crítica e cobra
ação. Mas seria o aumento da
circulação via "brindes" -em
que pese o mérito qualitativo da
Biblioteca Folha- a melhor
bóia de salvação?
Difícil responder, mas, como
advogado dos leitores, observo os
incômodos gerados pela maneira como a promoção tem sido
encaminhada até agora.
Embaralhamento
Há um embaralhamento entre
os textos jornalísticos normais e
o material promocional da coleção que, até aqui, tem se dado
em detrimento dos primeiros.
Domingo passado, a sobrecapa
descartável que vendia a promoção embutia, num dos lados,
material jornalístico (a coluna
"No Planalto" e uma reportagem). É fácil supor que milhares
de leitores, ao descartarem a sobrecapa, fizeram naturalmente
o mesmo com esses textos.
Além disso, o amplo espaço
editorial dedicado à coleção
-até mesmo um caderno especial com textos assinados pela
Redação- chamou a atenção
de alguns leitores, para os quais,
como é óbvio, tal espaço deveria
estar voltado mais para notícias
e reportagens, e não para a auto-promoção.
Consultada sobre esse ponto, a
Direção de Redação enviou o seguinte comentário: "A Biblioteca
Folha, pela importância literária
dos livros que abrange e pela
qualidade das traduções, tem
um evidente interesse cultural.
Não fosse por isso, a Folha teria
noticiado a iniciativa, mas provavelmente não teria dedicado
tanto espaço editorial a ela."
Some-se a isso a espécie de loteamento acertado entre o jornal
e o "Globo" para as respectivas
promoções, acordo que fez leitores da Folha de regiões importantes (RJ, ES e parte de MG, inclusive Belo Horizonte) deixarem de adquiri-la e comprarem
o concorrente para ter o direito
ao "brinde".
Um leitor de Juiz de Fora (MG)
comenta que, assim, vê-se obrigado a "assumir uma posição
quase semestral [a promoção vai
até o fim do ano] de oposição a
este conceituado jornal".
O lado operacional da campanha, aliás, foi objeto de uma "Errata" publicada pelo jornal na
quarta, na qual admitia ter omitido de peças publicitárias (inclusive da sobrecapa do domingo) que a promoção não atingia,
por parte da Folha, aquelas regiões -causa de e-mails de leitores, principalmente de MG e
do RJ, enfurecidos, indignados,
que viram aí, em suas próprias
palavras, propaganda enganosa.
Se haverá em outros Estados
ou regiões compensações para
tais perdas imediatas localizadas, cabe esperar para ver. Em
qualquer hipótese, o descontentamento de leitores como esse, de
Juiz de Fora, não deixará de fazer todo sentido.
A experiência das promoções
da década passada mostrou retenção marginal, residual de leitores após a explosão das vendas, como já abordei na coluna
de 23/2 -justamente porque a
atração não era o jornal, mas
sim os penduricalhos. Agora, nada indica que será diferente.
Reportagem da Folha, na
quarta-feira, revelou que, com a
distribuição gratuita de "Lolita",
as vendas subiram 140% no último domingo. Era de esperar.
Cético, um leitor mandou a seguinte mensagem: "É um sinal
de que as pessoas compraram o
livro e não o jornal. Comercialmente, um sucesso. Mas, para o
"ego" do jornal, um desastre".
Vejo um pouco de exagero nessa afirmação, mas à luz da experiência passada, ela, no mínimo,
dá o que pensar.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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