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OMBUDSMAN
A oscilação das NRs
BERNARDO AJZENBERG
É frequente, entre os leitores, a queixa de que a seção
Painel do Leitor, sempre à página A3, espaço nobre, vive ocupada por políticos, empresários e
autoridades em geral.
Já foi sugerido, inclusive, que a
Folha tenha duas seções: uma
para os leitores "comuns" -razão de ser da imprensa- exporem seus pontos de vista, outra
para as eventuais contestações
de pessoas diretamente envolvidas no noticiário. Tal desdobramento nunca foi adotado.
Há, porém, outro elemento ligado à seção -embora não somente a ela-, pouco lembrado
mas nem por isso desimportante.
São as Notas da Redação, acopladas ao pé de algumas cartas
como uma forma de o jornal se
posicionar, quando acha necessário, com relação a elas.
O "Manual da Redação" contém verbete específico a esse respeito. Ele afirma:
"Alguns textos que a Folha recebe e reproduz podem exigir
um esclarecimento na forma de
Nota da Redação. Caso um jornalista da Folha seja criticado
ou contestado em texto publicado, ele pode, após consulta à Direção de Redação, responder. A
resposta aparece sob o título Resposta do jornalista Fulano de
Tal, na mesma formatação de
Nota da Redação".
As NRs (como são chamadas
internamente) podem aparecer
também ao pé de reportagens,
sempre que o jornal considere
necessário rebater de imediato
algo que o texto contenha.
Metralhadora
Acontece que nem sempre essas NRs refletem ao pé da letra o
que o citado verbete prevê. Não
raro se afastam demasiadamente daquilo que deveria ser um
"esclarecimento".
Isso aconteceu, por exemplo,
na edição da última quarta-feira, a propósito de uma (longa)
carta assinada pelo presidente
da Confederação Brasileira de
Futebol (CBF), Ricardo Teixeira.
O missivista reclamava da reportagem "O contrato "muy
amigo" da CBF", de 8 de julho,
segundo a qual a MB Consultoria, empresa de um amigo de
Teixeira, "tocou" a transação (já
então praticamente concluída)
entre a CBF e a AmBev, devendo
receber pelo serviço uma comissão de US$ 8 milhões.
Algumas queixas, em resumo:
1) a partir de documentos
reais, o texto fazia a "ilação gravíssima" de que "...os documentos reforçam a suspeita de que a
MB atue como laranja, ajudando a desviar dinheiro para Teixeira". Suspeita de quem?, pergunta Teixeira, entre outras interrogações. Se é apenas dos jornalistas, então dever-se-ia (nota
do ombudsman: aproveito aqui
para corrigir a ausência da mesóclise em uso que fiz na semana
passada desse mesmo verbo,
quando erradamente escrevi
"deveria-se...") investigar primeiro, para depois publicar, ele
argumenta;
2) seu espaço para o "outro lado" foi mínimo em relação ao
tamanho ocupado pelo conjunto
da reportagem;
3) o repórter que o entrevistou
(por meio de seu assessor de imprensa) não informou que publicaria a "suspeita" de que ele
(Teixeira) estaria a se beneficiar
pessoalmente de recursos da
AmBev, tirando-lhe, portanto, a
chance de se defender.
Apesar de outras queixas (não
relatadas aqui por economia de
espaço) terem sido retrucadas
devidamente em nota no Painel
do Leitor pelos jornalistas que
assinavam a reportagem, das
que resumi aqui apenas a primeira recebeu resposta.
Também em resumo: as suspeitas, diz a resposta, são de senadores da CPI do Futebol, "como a reportagem informou".
Ao final, em vez de rebater aos
outros dois questionamentos, a
nota do jornal dispara uma metralhadora: "...o dirigente ainda
não explicou como os US$ 8 milhões do contrato com a AmBev
serão entregues à MB -uma
empresa com sede-fantasma,
sem experiência na área esportiva, que entrou no negócio quando ele já tinha sido anunciado"
etc.
Quanto à questão das suspeitas, diga-se, a verdade nem foi
bem assim, pois o que a reportagem trazia -ao seu final, bem
depois de falar das "suspeitas"
anônimas de que se queixa a
carta- era que a CPI suspeitou
de que Teixeira possa ter usado a
CBF para "beneficiar amigos", o
que certamente é grave mas não
é a mesma coisa.
Outra Nota da Redação pouco
esclarecedora saiu em 29 de junho sob uma carta do ex-assessor da Presidência da República
Eduardo Jorge Caldas Pereira.
Em resposta à afirmação de
que eram falsas algumas informações publicadas no jornal sobre a relação entre irmãos dele e
certas empresas, a nota dizia secamente que tais dados "constam do pedido de quebra de sigilo apresentado pelo Ministério
Público à Justiça".
Ora, o que isso esclarece quanto ao mérito do questionamento? Nada, pois nem tudo que o
Ministério Público escreve corresponde, necessariamente, à
realidade.
Omissão
Ocorre também o contrário, ou
seja, o jornal se abstém, por vezes, quando um pronunciamento, no entanto, se faz obrigatório.
Em reportagem desta terça-feira sobre conta bancária de Paulo Maluf em Jersey (o paraíso fiscal do Reino Unido), o ex-prefeito não apenas negava a sua existência, o que é normal, mas também atacava frontalmente o jornalista da Folha responsável pela revelação do caso, ameaçando
"botá-lo na cadeia".
É o típico momento que exigia
uma NR ao pé do texto, em defesa do repórter e do próprio jornal. Mas isso não foi feito.
Essas considerações querem
dizer que Teixeira tem razão e
que a reportagem sobre o contrato "muy amigo" deve ser invalidada? É óbvio que não, muito pelo contrário. Até porque, em
sua carta, o dirigente se recusa a
expor, de fato, seu "outro lado".
Querem dizer que a Folha não
defende seus jornalistas? Evidente que não.
Reconheço que, em certas
oportunidades, quando uma
carta é agressiva demais -e isso
também ocorre-, torna-se inevitável uma resposta "à altura",
nem que seja com luva de pelica.
Ressalta-se aqui, apenas, que a
Folha não poucas vezes abusa de
seu poder de resposta no Painel
do Leitor, deturpa o seu sentido
e, em outras, simplesmente tenta
destruir ou desqualificar o missivista em vez de prestar esclarecimentos ao leitor.
Contraditoriamente, omite-se,
vez por outra, quando sua própria credibilidade é posta em
questão.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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