|
Texto Anterior | Índice
Privilégios
Na última quinta-feira, o correio eletrônico de dezenas de jornalistas em todo o país recebeu a
seguinte mensagem:
"Caro jornalista, a Suzuki do
Brasil está com uma promoção
especial para você. Até o dia 30
de setembro os colegas da imprensa de todo o Brasil que quiserem comprar um carro zero-quilômetro, ano 2002, terão descontos especiais. Confira na tabela abaixo os modelos disponíveis e o valor da economia. Se
houver interesse, entre em contato. Enviaremos mais informações para que você também leve
a vida num Suzuki". Na tabela,
cinco modelos, com descontos de
13,5% a 16,4%.
Não é de hoje que jornalistas
recebem ofertas especiais. Em
meados do século passado, isso
era até mesmo previsto institucionalmente (isenções em impostos, por exemplo).
A possibilidade de compra de
automóveis com descontos
atraentes espalhou-se nos corredores das Redações nos anos 80,
e atrações semelhantes, na verdade, nunca deixaram de existir.
Conversei com a assessora de
comunicação da Suzuki, Rosa
Arrais. Ela disse que seu objetivo, com a promoção, foi apenas
"aproximar a empresa da imprensa de forma simpática e
transparente, sem segundas intenções".
Importa aqui não tanto a meta ou o método da empresa, mas
o fato de considerar "natural" a
absurda existência de privilégios, no mercado, para jornalistas. Dada a força econômica
crescente da informação, qual
pode ser o sentido disso?
Não seria a mesma lógica que
considera "normal" tentar evitar uma punição na estrada com
o uso de algumas notas?
Assim como quanto ao policial
rodoviário na aplicação da multa, não se pode afirmar que todo
jornalista vai necessariamente
deturpar conteúdos de seus textos em favor de alguma empresa
que em algum momento lhe tenha outorgado um favorecimento pessoal.
Mas não se trata, aqui, de uma
questão apenas de moral individual. O jornalista Eugênio Bucci,
no livro "Sobre Ética e Imprensa", argumenta:
"O problema não é o que ele
(jornalista) pensa de si mesmo e
o fato de ele jurar que continua
sendo isento mesmo desfrutando
de tanta generosidade alheia
-o problema é que, assim, a sua
independência deixa de ser explícita. E surgem as aparências
de que, não sendo explícita, ela
talvez não seja tão autêntica".
A questão dos privilégios aos
jornalistas, para quem visa um
jornalismo crítico, independente, ultrapassa os limites da individualidade. Deve ser vista como
algo formal, da estrutura da profissão -expressão de Bucci.
Não por acaso, manuais de Redação, como o da Folha, trazem
verbetes e princípios bastante
restritivos em relação à prática.
O que não se entende é como,
até hoje, embora com mudanças
na forma, ofertas espetaculares
continuem a ser apresentadas
-e, ao que se sabe, em boa parte
aceitas-, até mesmo por e-mail.
Texto Anterior: Bernardo Ajzenberg: "É dose!" Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|