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OMBUDSMAN
O mercado
BERNARDO AJZENBERG
Até mesmo quem pula o
noticiário econômico já se
habituou com a grande quantidade de títulos e reportagens que
têm como sujeito o "mercado".
Pois essa presença maciça voltou a se manifestar sexta-feira
na repercussão do anúncio de
Henrique Meirelles como futuro
presidente do Banco Central.
No caso da Folha, destaquem-se três títulos: "Para mercado,
falta prática a escolhidos" (capa); "Lula indica neotucano ao
BC; mercado reage com cautela"
(página A4); e "Desconfiado,
mercado espera por técnicos"
(página A8).
Mas, afinal, quem é esse tal de
mercado?
Em geral, três tipos de fontes
costumam ser mais citadas nessas coberturas: 1) operadores de
mesa; 2) analistas e economistas
dos bancos e corretoras ou, ainda, consultores; e 3) executivos
(diretores, presidentes) de instituições financeiras.
Os operadores (quase sempre
anônimos) têm a "mão na massa": compram e vendem títulos
ou dólares, investem, operacionalizam a especulação no dia-a-dia. Imediatistas pela natureza
de sua função, vivem do humor
dos últimos cinco minutos, adulam rumores, fazem alarde ante
qualquer abalo, precisam, para
ganhar dinheiro, que as coisas
sejam ou pretas ou brancas, jamais cinzas. Nervos à flor da pele, testemunham apenas o curtíssimo prazo e falam conforme
seus interesses momentâneos.
Os economistas e os consultores analisam, traçam cenários,
tendências. Nem sempre refletem ou determinam a ação instantânea dos operadores, tampouco expõem, necessariamente,
a opinião final dos bancos a que
servem.
Os executivos (diretores ou
presidentes), esses sim, transmitem, em tese, o pensamento oficial das instituições.
Inversão
Quando o assunto em pauta
tem a dimensão de uma mudança da presidência do BC na
montagem de um novo governo,
parece evidente que a pergunta
mais relevante a ser feita ao setor, política e economicamente, é
qual foi, nele, o impacto oficial
do novo nome. Significa ouvir,
sobretudo, os executivos dos
bancos.
Em seguida viriam as implicações para a vida econômica como um todo na sua visão -procurando-se, aí, os analistas.
Depois, a reação imediata, fugaz, no mercado e como o dólar,
por exemplo, abriria no dia seguinte. Ou seja, os operadores.
Nos textos da Folha sobre a recepção ao nome de Meirelles, porém, há uma inversão de prioridades.
Das 19 fontes citadas, 13 (68%)
são analistas ou consultores. Oficialmente, só dois bancos deram
sua palavra formal -além da
Febraban (Federação Brasileira
dos Bancos).
Em contraponto, por exemplo,
os diários econômicos "Valor" e
"Gazeta Mercantil" registraram
44% (8 de 18) e 43% (10 de 23),
respectivamente, de presença de
executivos nas citações publicadas -sem falar no peso, neles
também maior, de opiniões de
setores industriais e comerciais.
Independentemente do resultado (mais ceticismo ou mais
otimismo), este último tipo de
repercussão -com ênfase nos
executivos e maior abrangência
de setores- tende a possuir
mais consistência política e mais
proximidade com a realidade
econômica do que aquele apoiado principalmente em opiniões
(válidas e necessárias, claro) de
analistas ou operadores.
Parcialidade
No caso da Folha, acabou-se
produzindo, também, algo que
desorienta o leitor.
Uma reportagem publicada
em Brasil dizia que "o mercado
recebeu com cautela a indicação" de Meirelles e relatava, para expressá-lo, que a cotação do
dólar, após cair de manhã, fechara em alta (0,3%).
Já em Dinheiro, o jornal atribuía a uma outra causa a subida
da moeda norte-americana, segundo operadores: uma saída de
recursos de cerca de US$ 130 milhões feita pela Petrobras.
"A alta do dólar não pode ser
interpretada como um desapontamento do mercado com o
anúncio de Henrique Meirelles",
dizia esse segundo texto. "Meirelles agrada aos investidores por
ser associado à credibilidade".
O mercado, se vê, não tem nada de monolítico, homogêneo.
Nem é, a rigor, uma entidade.
Como qualquer outro braço da
economia, tem vozes diferenciadas, hierarquizadas e, na maioria, não-desinteressadas.
Além disso, dar-lhe tanto espaço em detrimento de outros setores e de analistas não atrelados a
instituições bancárias na repercussão de um fato relevante de
amplas consequências, muito
além das financeiras -como a
indicação do presidente do
BC-, é sinal de parcialidade
jornalística.
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