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OMBUDSMAN
O mau jornalismo e a liberdade de imprensa
MARCELO BERABA
A reportagem "Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional", do
jornalista Larry Rohter, correspondente do "New York Times"
no Brasil, foi o assunto da semana. Disponível no sábado, 8, no
site do jornal americano e publicada no domingo, ela gerou
imediata reação do governo
brasileiro, que a considerou
uma manifestação de "calúnia,
difamação e preconceito". Na
terça-feira, Rohter teve seu visto
de permanência no Brasil cancelado. A discussão, que no início
da semana estava centrada no
aspecto jornalístico do texto, virou um grande debate sobre liberdade de expressão. Na sexta,
o jornalista enviou carta ao governo que foi entendida como
uma retratação, e o caso parece
encerrado.
Antes de analisar o comportamento da Folha no episódio, vou
dar a minha opinião sobre alguns aspectos.
1 - O assunto era pertinente?
Um jornalista deve se preocupar
com os hábitos ou se interessar
pela vida privada de um homem
público? Acredito que sim. Como escreveu a advogada Taís
Gasparian quinta-feira nesta
Folha, "como homem público,
sua esfera de privacidade é reduzida, pois seus atos importam à
nação".
2 - A reportagem do "NYT" foi
bem-feita? Não. Sob o ponto de
vista, jornalístico ela é malfeita.
É uma colagem de opiniões (o
que chamamos no jargão jornalístico, pejorativamente, de recortagem), não há informações
novas, as fontes citadas não são
corretamente identificadas para
que o leitor possa julgar o peso de
suas opiniões ou informações e
não há o relato de nenhum fato
que dê consistência às duas afirmações mais relevantes do texto:
a de que o hábito de beber possa
estar afetando a performance de
Lula no cargo e a de que esse hábito tenha virado uma preocupação nacional.
3 - Foi correta a reação do governo brasileiro à publicação da
reportagem? Acho que não. Desde o início, sua resposta foi desproporcional e ajudou a inchar
um caso que não tinha tido repercussão na imprensa internacional e que, internamente, tinha atraído o repúdio até da
oposição. A decisão de cassar o
visto de Rohter foi um erro. Não
sob o ponto de vista da imagem
do governo, porque esse é um
problema do governo, mas sob o
ponto de vista da democracia e
de suas liberdades. O presidente
(não a nação) se sentiu ofendido
em sua honra e deveria procurar
reparação na Justiça.
4 - A reação da imprensa contra a expulsão foi corporativa?
Não acho. É um erro considerar
as liberdades de expressão e de
imprensa privilégios dos jornalistas. São conquistas democráticas, no nosso caso obtidas com
muitas dificuldades, que garantem o mínimo de fiscalização sobre governos cada vez mais fortes
e sem controle.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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