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OMBUDSMAN
Mágica e alfinete
BERNARDO AJZENBERG
A concordata da Enron, gigantesca companhia de
energia norte-americana, no final de 2001, trouxe à tona, entre
inúmeras borbulhas políticas e
empresariais mal cheirosas, o
quanto a imprensa vive permeável à pressão de interesses econômicos, mesmo num país como os
EUA, onde ela própria é poder.
Essa permeabilidade se concretiza de diferentes formas.
No caso da Enron, por exemplo, artigo no "Washington
Post" revelou que jornalistas de
veículos expressivos receberam
pagamentos da empresa por serviços de consultoria ou outros
"bicos" a ela prestados.
A isso se soma o fato, destacado por Russ Lewis, do "New York
Times", de que, em contraste
com o tratamento reservado a
governos e a homens públicos, "a
imprensa não tem tido um sucesso muito grande no que se refere à revelação dos passos errados dados pelas grandes empresas, particularmente antes que
os danos ocorram".
Como observou Fernando Rodrigues em coluna sobre o assunto quarta-feira, o monopólio dos
meios de comunicação, no caso
do Brasil, só faz exacerbar as dificuldades do exercício de um
jornalismo que se pretende livre.
Já comentei aqui, em diferentes oportunidades, o quanto é
ameaçadora para o jornalismo
uma terceira forma de concretização dessa permeabilidade: o
fato de jornais pertencerem ou
serem adquiridos por grupos
econômicos cujos interesses se
ampliam cada vez mais, em diferentes setores.
Pois basta olhar com atenção o
quadro ao lado para perceber
que o risco é real, evidente.
Ele mostra de que maneira os
seis diários brasileiros mais influentes publicaram na última
sexta-feira o resultado de uma
entrevista dada pelo presidente
mundial da Telecom Italia,
Marco Tronchetti Provera, em
Milão.
(Registre-se que se tratou de
uma conversa amplamente trabalhada e preparada, inclusive
com viagem de jornalistas à Itália paga pela empresa de telecomunicações -ao menos assim
assumiram ao pé de seus textos,
corretamente, a Folha e o jornal
"Valor".)
Com exceção do "Globo" e do
"Valor", todos deram o assunto
no alto de uma página e "puxaram" pela mesma notícia: o grupo italiano admite a possibilidade de vender a participação que
possui na Globo.com, empresa
de internet das Organizações
Globo.
Basta uma perspicácia básica
para se dar conta do quanto de
satisfação, no mínimo, deve ter
provocado, em certos andares
desses jornais, a oportunidade
de estampar um título com esse
conteúdo, que alfineta o mais
poderoso grupo de comunicações do país.
Seria ingenuidade atribuir tamanha homogeneidade na edição da notícia a uma prosaica
coincidência de critérios puramente jornalísticos.
Já o jornal do Rio fez uma mágica: simplesmente omitiu a declaração, dando destaque a outros aspectos daquilo que o executivo italiano afirmou. Curioso
notar que seu texto se baseou na
mesma agência de notícias usada, neste caso, pela "Gazeta
Mercantil".
Ao mesmo tempo, prensado
entre duas paredes (pertence à
Folha e ao grupo Globo), o "Valor" adotou posição intermediária: abriu o texto com um terceiro aspecto, mas incluiu no corpo
do texto a informação acima
destacada.
Para deixar claro: não se acusa, aqui, nenhum jornalista de
ter recebido algo da Telecom Italia.
O que se ressalta neste caso
(que não foi o primeiro e que, temo, não será o último) é o viés interessado adotado na veiculação
de notícias a partir de uma mesma fonte, este sim determinado
-mais ou menos conscientemente- por forças "maiores" de
mercado, bem mais do que pelo
peso específico das notícias.
De um lado e de outro, tudo
muito sintomático, revelador e,
acima de tudo, perigoso para a
liberdade de imprensa.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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