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OMBUDSMAN
Um desperdício engajado
BERNARDO AJZENBERG
A conquista, na certa fruto
de forte empenho, merecia
comemoração. Todo jornalista
almeja entrevistar ao longo da
carreira pelo menos uma personalidade de peso. E ali estava a
possibilidade batalhada.
O resultado no jornal, porém,
ficou perigosamente aquém.
Refiro-me ao "pingue-pongue"
publicado na Folha no último
domingo com o líder palestino
Iasser Arafat -"Israel ainda
não reconhece nosso direito a
um Estado".
Aquilo que poderia resultar,
sem exagero, num furo internacional virou peça publicitária do
presidente da Autoridade Nacional Palestina; resumo do que ele
declara há anos ou décadas,
dando ensejo, por isso, a um título com tom de coisa vista.
Por quê?
Porque as perguntas a ele dirigidas não foram se não tiros de
escanteio cobrados na medida
para o político cabecear em gol.
Quando li o texto, veio-me à
lembrança, de imediato, a entrevista que eu havia lido no dia 21
de abril no jornal francês "Le Figaro" com o primeiro-ministro
de Israel, Ariel Sharon.
Difícil saber, entre Sharon e
Arafat, quem é mais "raposa".
São expressões de décadas de um
conflito interminável, cuja solução parece a cada dia mais distante. Entrevistá-los, portanto,
não é tarefa fácil. Mas fazer bom
jornalismo não é nada fácil.
Veja bem, leitor: refiro-me
apenas à entrevista, sem entrar
em detalhes quanto à docilidade
expressa na reportagem a ela
anexa -que descreve o lado
"humano" de Arafat acriticamente, em texto cheio de encantamento- ou à Arte da cronologia do dirigente, meramente descritiva, sem feito questionável;
ou, ainda, ao suposto "outro lado", texto cuja metade expõe tudo menos a posição israelense.
Tom amador
Uma olhadela no quadro acima permite ao leitor entender do
que estou falando.
As seis perguntas feitas pela
Folha a Arafat têm um tom quase estudantil, amador, para não
dizer que podem até parecer encomendadas ou aprovadas previamente pela assessoria do líder
palestino. Para deixar claro, não
digo que assim foi, mas que pode
parecer ter sido, pode.
Não vai, aqui, uma crítica individual ao repórter -no caso,
um conhecedor do conflito no
Oriente Médio, Paulo Daniel Farah, que merece menção pela
conquista da entrevista-, mas
ao jornal como um todo.
Uma entrevista com alguém
como Arafat não é todo dia que
se consegue, ainda mais em meio
a uma situação de conflito, com
a tensão em alta. Ela é, evidentemente, necessária e bem-vinda.
Pergunto: diante da possibilidade -conquistada- do encontro, terão sido feitas discussões à altura, uma preparação
adequada para que um quadro
do jornal pudesse tirar o máximo
dele? Pelo resultado, a resposta é
negativa.
As perguntas do jornalista do
"Figaro" a Sharon (o quadro acima contém apenas uma seleção)
trazem outro sabor.
Independentemente das respostas que tenham suscitado, são
de longe mais instigantes, capazes de provocar um rendimento
muito maior em termos jornalísticos.
Não foi por acaso que a entrevista da Folha com Arafat recebeu entusiasmada carta, publicada no Painel do Leitor quinta-feira, do deputado estadual do
PC do B Jamil Murad.
Após elogiar a "excelente entrevista", o missivista conclui: "A
Folha, através dessa entrevista,
deu oportunidade para que seus
leitores conheçam melhor essa
dura realidade, pelo que manifesto minha gratidão".
O deputado, como qualquer
leitor, tem o direito de gostar daquilo que quiser gostar e de expressar sua opinião. Isso é tão
óbvio quanto sagrado.
Mas não deixa de ser sintomático que elogio tão rasgado provenha de um militante, justamente, da causa palestina, como
são os militantes de seu partido.
Conflito e calor
Para ser rentável em termos
jornalísticos, para justificar espaço em jornal amplo, que busca
imparcialidade, uma entrevista
precisa ter calor e contraditórios.
O entrevistado deve ser surpreendido, questionado pelo jornalista. Tem de haver conflito.
Só daí pode resultar algo novo
-e, infelizmente, não foi o que
aconteceu.
Caso a Folha venha a fazer
uma entrevista com Sharon, por
exemplo, convém que ao menos
se inspire um pouco no "clima"
das perguntas do "Le Figaro".
Reproduzir em um eventual
caso de Sharon a parcialidade
que o material sobre Arafat embutiu seria repetir o erro, reeditar um desperdício.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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