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OMBUDSMAN
Horário eleitoral gratuito
RENATA LO PRETE
"Rico , Tatuapé vira Moema da zona leste." Na primeira leitura, a manchete de
Cotidiano de sábado, 9 de setembro, impressionou-me apenas por ser velha.
Seja lá o que o Tatuapé tenha
virado, a transformação já foi
objeto de um sem número de reportagens, algumas publicadas
na própria Folha.
Pobre, a mais recente limitou-se a repetir que os empresários
comemoram o poder aquisitivo
dos moradores, e que estes comemoram seus novos apartamentos e as lojas de grife disponíveis na vizinhança. Ou seja,
uma iniciativa editorial que teve como único efeito a alegria
dos vendedores de imóveis.
Para ilustrar o quadro de
afluência, o jornal se deu por satisfeito com dois personagens: a
administradora de uma empresa de ar-condicionado e Manoel
Jorge Gonçalves, proprietário
da Ação Imóveis.
Como cresci na zona norte e
hoje vivo na oeste, o nome não
me disse nada. Precisei do alerta de dois moradores da zona
leste para descobrir que a ausência de novidade era o menor
dos problemas da reportagem.
No generoso espaço concedido a
Gonçalves, a Folha simplesmente omitiu que ele é candidato a vereador.
Pelos leitores -um do Tatuapé e outro da vizinha Água Rasa- fiquei sabendo que o "Mané da Ação", como é conhecido,
tentou se eleger deputado em
1998 pelo Prona. Não conseguiu. Agora busca vaga na Câmara pelo PPB.
Sua propaganda, com o nome
do candidato sempre associado
ao da imobiliária, está espalhada por toda a região.
Na Folha, Gonçalves foi apresentado apenas como o dono
"da imobiliária mais influente
do Tatuapé, com 30 anos no
mercado".
Falou sobre a expansão dos
negócios no local. Ganhou foto e
perfil. "Filho de imigrantes portugueses", ele "fez fortuna e
quer continuar no bairro".
Graças à boa memória de um
dos leitores, podemos constatar,
na última das páginas reproduzidas ao lado, que o jornal já tinha registrado semelhante declaração de fidelidade às raízes.
Foi em 1991, em reportagem
cujo título anunciou que o Jardim Anália Franco havia se tornado o "Morumbi da zona leste" (o Anália Franco é a porção
mais rica do Tatuapé).
Logo abaixo vinha o perfil de
um morador emergente: Vicente Viscome. "Nasci e vou morrer
aqui", dizia o dono de revendas
de carros, fotografado sorridente na sacada de um recém-adquirido apartamento de 500 m2.
No ano seguinte, ele se candidatou a vereador pela primeira
vez. O resto é história. Cassado
em 1999, no rastro das investigações da máfia da propina,
Viscome hoje habita uma cela
menor do que os dormitórios de
seu imóvel no Anália Franco.
De volta à reportagem recente, como a Folha pôde incorrer
em forma tão tosca de promoção? "Por pura ingenuidade dos
profissionais envolvidos na operação", afirma Nilson de Oliveira, editor de Cotidiano.
"Responsáveis pela produção
e edição do material sabiam
que Manoel Gonçalves é candidato, mas avaliaram que a informação não era relevante, já
que o empresário é, como atestam todas as fontes consultadas,
personagem importante a ser
ouvido sobre o boom econômico
do Tatuapé." Conclusão do editor: "O erro é incontestável".
Qual dos dois erros? O esclarecimento trata apenas da omissão, como se esta tivesse sido a
única falha. Não é verdade. O
erro original foi ter utilizado
Gonçalves, em plena campanha, como personagem desse
gênero de história.
Há pouco a discutir neste caso, tamanha a evidência do absurdo cometido. É difícil entender que jornalistas da Folha tenham considerado a condição
de candidato informação irrelevante. E que agora achem que o
problema poderia ter sido resolvido com simples aviso, como se
fosse normal entregar ao leitor,
sob aparência de notícia, uma
extensão do horário eleitoral
gratuito.
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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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