São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2000 |
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OMBUDSMAN Na trilha de Nicolau RENATA LO PRETE Ao contrário do que alguns temiam, Nicolau dos Santos Neto não se entregou à polícia em uma noite de sábado. Por razões de ordem industrial -edições de domingo fecham mais cedo, e atrasá-las não é operação simples-, esse teria sido o pior cenário para os jornais. Mas o dia e o horário da apresentação -chegada a São Paulo na noite de sexta-feira- também não foram os mais confortáveis para o trabalho da imprensa. Das revistas, àquela altura quase concluídas, apenas "Época" deu capa ao assunto. Feito às pressas, o relato dos jornais de sábado deixou pendentes várias perguntas. A mais imediata dizia respeito ao roteiro do juiz aposentado, acusado de participação no desvio de R$ 169,5 milhões da construção do fórum do TRT de São Paulo. Em que lugares ele esteve, ao longo de quase oito meses, antes de encontrar seu advogado e um delegado da PF na cidade gaúcha de Bagé? Na tentativa de responder, a Folha elegeu, de seu noticiário de domingo passado, o item que a diferenciava dos concorrentes, uma longa entrevista com Alberto Zacharias Toron. A manchete: "Ex-juiz Nicolau nunca saiu do Brasil, afirma advogado". Além da exclusividade, pelo menos dois motivos justificavam dar atenção a esse depoimento. O primeiro é que Toron foi um dos dois participantes do resgate. Estava, portanto, em condição privilegiada para descrever o que se passara. O segundo é que suas palavras representavam um contraponto à versão carente de evidências que o governo procurou difundir. De acordo com ela, Nicolau estaria na iminência de ser preso quando decidiu se entregar. "Isso é mentira", sustentou o advogado. "Tivemos a condução do processo o tempo todo." Tudo somado, sem dúvida a entrevista merecia espaço na capa e até destaque em uma das estrelas que acompanharam a manchete. No entanto, foi exagero dedicar o enunciado à versão de Toron sobre os passos de seu cliente. Mais as três estrelas. Mais a totalidade do texto principal. O resultado ficou desequilibrado. No mesmo dia, história diferente foi contada em outros jornais, em especial na manchete do "Globo" ("Nicolau estava escondido no Uruguai"). Embora chame atenção, a divergência com os concorrentes é o menor dos problemas. Até ontem não havia conclusão definitiva sobre os endereços do foragido. Importante é a questão de princípio. Ao destacar uma versão em seu título mais nobre, o jornal em certa medida a endossa, mesmo quando ressalva ser isso o que "afirma o advogado". O representante de Nicolau não deveria ser tratado com menos cautela do que as demais partes envolvidas. Corte para as edições de quarta-feira. No meio de um texto, em página interna, a Folha informou: "Delegados da Polícia Federal dizem ter muitos indícios de que o ex-juiz se refugiou no Uruguai nos últimos meses". O "Globo" foi mais assertivo: "A PF já sabe que Nicolau passou quase todos os 227 dias que ficou foragido no Uruguai". De novo, "PF diz" e mesmo "PF sabe" não bastam para encerrar a controvérsia. Mas a leitura de diferentes jornais indica que o vento, por ora, sopra na direção do Uruguai. Pela confiança que depositou no "nunca saiu do Brasil", a Folha está especialmente obrigada a tirar a história a limpo e a noticiar a versão contrária, caso comprovada, com o devido destaque. Próximo Texto: Mais reprise Índice Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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