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OMBUDSMAN
Chapeuzinhos vermelhos,
lobos maus, vovozinhas
BERNARDO AJZENBERG
A Folha está morna e acomodada. Sofre de passividade
e apatia. Esse diagnóstico, severo, só não é trágico porque foi exposto pela própria direção do
jornal, dia 18 de fevereiro, no caderno sobre seus 80 anos.
Admitir fragilidades, como se
sabe, embora não as desagrave, é
um começo para superá-las
-mas também não passa disso.
De onde vêm a mornidão, o
acomodamento, a passividade, a
apatia da Folha? Três explicações genéricas se destacam:
1) o jornal não tem sabido responder de modo enfático à situação pós-Muro de Berlim, em
que as cargas ideológicas se obscurecem e os fatos cobram enfoque especializado, mais profissional;
2) a ascensão ao governo de
um setor identificado com a Folha nos anos 70 e 80 (o tucanato)
e o seu engajamento num projeto oposto às idéias de 20 anos
atrás teriam criado, diz o caderno, uma "esquizofrenia" nas relações do jornal com o poder;
3) a "revolução tecnológica" e
a Internet expandiram e viraram de ponta-cabeça as formas
de acesso a dados e informações,
"obrigando o jornal -impresso
ou na tela- a se reorientar".
Tudo bem. São causas profundas, de difícil administração.
Mas existe outra, comezinha,
sub-reptícia, que vem de muito
antes e que, no quadro resumido
acima, apenas se agravou.
Trata-se da confusão entre comunicação e informação.
Confusão astuta
Para definir uma e outra, utilizo itens retirados do livro "A Saga dos Cães Perdidos", do professor Ciro Marcondes Filho (Hacker Editores, 2000):
Comunicação: o jornalista recebe de graça a "notícia", "angulada segundo o interesse do informante"; a "notícia" tende a
reproduzir o conhecido, a reforçar valores e idéias.
Informação: o jornalista busca
a notícia; pesquisa, burila dados;
observa, investiga; tende a produzir algo novo, conflitivo.
Parece fácil distinguir uma
coisa da outra. Mas essa confusão tem muito de velhaca: procura a turbulência do dia-a-dia
e a pressa dos corredores para se
instalar. E se instala mesmo.
É fenomenal a quantidade de
dados despejada nas Redações, a
abundância de lobbies ou ações
promocionais camufladas. É
despudorada a ação de conglomerados que embaralham propaganda e entretenimento, notícia e espetáculo.
Age também a pressão formal
dos cada vez mais ativos -e a
seu modo competentes- departamentos de relações públicas,
áreas de comunicação de instituições ou governos, grupos disso
ou daquilo, organizações não-governamentais daqui e dali.
Vale para o jornalismo cultural e suas estrelas. Para o jogo de
pega-ladrão da política, em que
os jornais não raro fazem sem
saber o papel de "mensageiros".
Vale para a economia, seus empenhos e conveniências. Para a
ciência ou para o esporte.
Com isso não quero dizer que
jornalistas, inclusive os da Folha, sejam chapeuzinhos vermelhos a passear no bosque alegremente, nem que as assessorias ou
áreas de comunicação se escondam atrás de árvores como lobos
maus de dentes afiados. Muito
menos poderia dizer que os leitores sejam vovozinhas acamadas,
em atmosfera de remanso, à espera de suas cestas de doces.
Como toda criança sabe, os
maus e os bons podem ser encontrados em qualquer parte, às vezes onde menos se espera. Com a
diferença de que aqui não existe
a figura do caçador, pois a história nunca acaba.
Quero afirmar, sim, que na
confusão floresce um ambiente
onde fica difícil evitar tropeços.
No caso do jornalista, se a atenção fraqueja diante dos empurrões dessa espécie tentacular de
comunicação -hoje mais do
que nunca em expansão-, asneiras se reproduzem às pencas,
reputações dignas são atropeladas, divulgam-se reclames sem
querer. O jornal tende a perder
sua agenda autônoma; ele se retrai; comprime investigações.
É preciso admitir: nos jornais, e
na Folha, há comunicação demais e informação de menos.
Direito à informação
O projeto editorial do jornal
defende que "é preciso maior
originalidade na identificação
dos temas a ser objeto de apuração, bem como uma focalização
mais precisa de sua abordagem". Prega "redobrada vigilância quanto à verificação prévia
das informações, à precisão e inteireza dos relatos, à sustentação
técnica das análises e à isenção
necessária para assegurar o
acesso do leitor aos diferentes
pontos de vista suscitados pelos
fatos". O que mais se pode querer de um jornalista?
Ocorre que entre os princípios
desse projeto e a sua aplicação
vai a mesma distância que se pode identificar entre os termos da
Constituição Federal -todos
são iguais perante a lei- e a
realidade social brasileira.
Crise, já se disse, é quando a situação anterior desaparece sem
que uma nova situação já se tenha estabelecido. A Folha reconhece o seu próprio embaraço, e
isso é bom, mas desde que os jornalistas não menosprezem as
"discussões teóricas", não repilam a auto-reflexão radical; desde que deixem de desdenhar as
ponderações ou as críticas de terceiros -inclusive e principalmente dos leitores- sobre o seu
trabalho.
Sem isso é impossível romper a
letargia, o tom oficioso de muitos textos, o posicionamento
acrítico em relação aos acontecimentos e às tentativas, mais ou
menos sutis, de "plantação" de
matérias.
Está em jogo, além do ofício do
jornalista, a sobrevivência do
próprio jornalismo como instrumento da sociedade para exercer
o seu direito à informação.
Sob a pressão dos leitores (essa,
sim, indispensável), o ombudsman existe para auxiliar no desenlace dessa crise. É o que procurarei fazer -de preferência
abordando assuntos e problemas de forma menos abstrata do
que nesta coluna de estréia.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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