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OMBUDSMAN
Clamor e justiça
BERNARDO AJZENBERG
O julgamento dos assassinos do pataxó Galdino Jesus
dos Santos, entre os dias 6 e 10, foi
daquelas ocasiões especiais em
que a imprensa mostra a cara.
Desde o assassinato, em 20 de
abril de 1997, quando cinco jovens de classe média queimaram
o índio que dormia num ponto
de ônibus, o "clamor público" esteve, compreensivelmente, aliado
à vítima e favorável à punição
máxima para os réus.
Mas como se construiu o noticiário sobre o assunto (independentemente da opinião expressa
em editoriais)?
Com diferenças relevantes entre um veículo e outro, o fato é
que ele não correspondeu, no geral, ao modelo mais desejável:
aquele que, apesar do drama,
busca equilíbrio e frieza para não
transformar reportagem em peça
de campanha.
Para ficar nos chamados principais diários nacionais, pode-se
dizer que, neste caso, os do Rio,
em especial o "Jornal do Brasil",
vestiram a camisa da acusação.
Ao reportar o primeiro dia do
julgamento, por exemplo, na edição do dia 7, o "JB" trouxe um
texto engajado e irônico, no qual
procurava demonstrar como os
réus, ao depor, tinham "decorado aplicadamente a linha de defesa desenhada por seus advogados".
No domingo (dia 11), o jornal
trazia como título em primeira
página: "Assassinos de pataxó só
ficam presos até 2004 (grifo
meu)". Uma inequívoca opção.
Registre-se, à parte, que, na
mesma linha, o diário francês
"Le Monde" não ficou para trás.
Sua reportagem de capa no dia
14, com texto exultante, se intitulava "Justiça brasileira pune os
carrascos de um índio queimado
vivo por "diversão'".
Menos exaltados, o "Globo" e o
"Estado de S. Paulo" nem por isso
deixaram de manifestar, principalmente no início, inclinações
pelo "clamor público".
Mas a Folha também ameaçou
resvalar na onda, embora não tenha sido essa, felizmente, a marca predominante em sua cobertura.
Escola Base
Em crítica interna sobre a edição do dia 6, que apresentava o
julgamento, observei o seguinte:
"O caso Escola Base trouxe inúmeras lições para o jornalismo.
Algumas poderiam ser rememoradas na cobertura do caso pataxó agora. Mesmo em proporções
e circunstâncias processuais diferentes, há de se tomar mais cuidado no tratamento dado aos
acusados no julgamento do caso
do índio Galdino. Há que se ouvir mais os argumentos da defesa
(que prega morte após lesão e
não homicídio doloso) e reproduzi-los para conhecimento do leitor, assim como de familiares dos
réus. Caso contrário, como ocorre
hoje ("Acusação pede a juíza que
deixe o caso pataxó"), o noticiário estará tendencioso".
No dia seguinte, o colunista
Luís Nassif, do Conselho editorial, publicou texto sob o título
"A volta do linchamento", no
qual afirmava que "a cobertura
do julgamento dos rapazes que
assassinaram o índio pataxó é
vergonhosa e mostra descaso da
imprensa com direitos individuais mínimos".
Nassif fazia uma generalização
da qual discordo, mas, de todo
modo, tocava num ponto essencial: à imprensa, não cabe julgar,
mas reportar os fatos, dar condições ao leitor de, ele sim, se achar
conveniente, tomar partido.
Mais do que isso, cabe à imprensa, buscando equilíbrio, evitar o papel de executor de reputações -lição tirada, de modo dolorido, do célebre caso da Escola
Base (1994), cujos donos foram
massacrados injustamente sob a
acusação de abuso sexual de
crianças.
Isso significava, no caso pataxó, defender os rapazes assassinos? Óbvio que não, até porque
-e aqui acaba a analogia com a
Escola Base- houve, sim, um
crime abominável, escabroso.
Significava, apenas, propugnar
por um jornalismo sólido, em
que, tal como na Justiça, haja fatos, defesa, acusação, cabendo
aos jurados -não aos jornalistas- a orientação da sentença.
A princípio, pode soar antipático, repulsivo até. Mas é de liberdade de imprensa, de direitos individuais e de democracia que se
está falando.
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