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OMBUDSMAN
Engodo
BERNARDO AJZENBERG
Elogio de leitor ao jornal por
intermédio do ombudsman é
coisa, naturalmente, rara. O e-mail de um estudante de jornalismo do dia 8 passado, porém,
trouxe o seguinte comentário:
"Achei muito interessante a
Folha de sexta-feira (3/10) sair
com a capa de anos atrás. Ainda
mais no momento em que estou
fazendo um trabalho sobre a história do jornal no Brasil."
Ele se referia à "sobrecapa" da
edição daquele dia, que reproduziu, supostamente, a capa original da Folha de 3/10/1953, com
uma notícia sobre a inauguração da Petrobras.
Cabe, hoje, dizer a esse estudante: esqueça, não use essa página no seu trabalho, pois, ao
contrário do que você pensa
-você e a quase totalidade dos
leitores da Folha-, ela não é a
da edição de meio século atrás.
Uma comparação entre a verdadeira capa daquela data e essa "sobrecapa" (um anúncio da
Petrobras) deixa isso claro.
No quadro ao lado, o leitor pode comparar e verificar quão numerosas (bem mais do que num
jogo de 7 erros) são as diferenças.
Destaco alguns exemplos:
1) a página verdadeira é composta por oito colunas verticais
de texto (como se usava à época), enquanto a da propaganda
possui apenas seis colunas;
2) a fotografia realçada no
canto superior direito do original foi reduzida e derrubada para a parte inferior da página;
3) a manchete, na nova versão,
ocupa todo o alto, o que não
ocorria na realidade;
4) um anúncio do Moinho São
Jorge, destacado em três colunas
ao pé da página, praticamente
desapareceu na "reprodução";
5) a notinha sobre a inauguração da Petrobras, de um pequeno quadro com somente uma coluna (dentre as oito existentes)
no meio da página, virou um
texto bem mais destacado, ocupando duas das seis colunas da
nova página.
Adulteração
Quem me chamou a atenção
para essa manipulação foi um
outro leitor, de Belo Horizonte,
após notar a diferença num
anúncio comemorativo publicado na capa de Dinheiro do sábado (4/10) justamente pelo Moinho São Jorge. Esse anúncio
também reproduzia a página da
Folha de 3/10/53, mas com fidelidade à edição original.
Diz o leitor: "Uma das primeiras páginas não retrata a verdade. Qual delas? Se for a usada na
propaganda (do Moinho), como
é que a Folha aceita uma manipulação desta, uma adulteração,
podemos dizer, de sua capa?".
Depois de constatar em pesquisa no arquivo do jornal o embuste da peça da Petrobras, registrei
o problema numa crítica interna: "Para a publicidade, em tese,
pode até ser OK; não sei. Para o
jornal e seu registro histórico, é
no mínimo muito esquisito".
Consultada sobre o tema para
esta coluna, a Secretaria de Redação observou que "a Redação
não tem responsabilidade sobre
anúncio publicitário" e transmitiu o comentário do diretor executivo comercial da empresa,
Antonio Carlos Moura:
"A ampliação da nota sobre o
lançamento da Petrobras foi feita pela agência de publicidade e,
como se tratava de um anúncio,
é um recurso natural de comunicação".
Respeito essa visão, mas, na
minha opinião, só há sentido em
aceitar as "licenças poéticas" da
criação publicitária ou em ver
como inevitáveis eventuais concessões que a ela se façam até o
ponto em que não se ludibrie o
leitor nem se fira, como ocorreu
aqui abertamente, a própria memória do jornal.
Transparência
A questão, porém, não pára aí.
O mesmo estudante de jornalismo que imaginou ser a "sobrecapa" útil para o seu trabalho disse
ter-se decepcionado ao saber, depois, que ela era um anúncio pago. Achava que isso deveria ter
sido informado pelo jornal no
mesmo dia (3) e não apenas numa "nota" que fora publicada
no dia anterior.
A queixa procede, mas o problema maior é outro -e aqui
entra uma responsabilidade direta da Redação.
A "nota" a que ele se refere foi
o seguinte "Aviso" dado pelo jornal na Primeira Página de 2/10:
"A Folha circula amanhã com a
Primeira Página coberta por
anúncio publicitário que reproduz edição do jornal de 1953".
Pergunto: tratou-se, mesmo,
de uma reprodução da edição de
1953? De modo algum: o original
foi nitidamente distorcido, para
favorecer o anunciante.
Assim, a mesma -louvável-
transparência adotada pelo jornal ao alertar um dia antes os
seus leitores para algo que poderia confundi-los na edição seguinte deveria ser aplicada, agora, sob a forma, no mínimo, de
um "Erramos": o tal anúncio foi,
na verdade, uma réplica artificialmente deformada, e não a
fiel "reprodução de uma edição
do jornal de 1953".
Uma postura por parte da Redação na linha de simplesmente
"lavar as mãos" não me parece,
tanto mais neste caso específico,
um bom sinal.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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