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OMBUDSMAN
Depois da guerra
BERNARDO AJZENBERG
O diário britânico "The Independent" criou e a Folha
reproduziu na quinta-feira uma
lista com18 perguntas e respostas
sobre a ocupação do Iraque pela
coalizão anglo-americana e suas
consequências (veja ao lado).
Há questões de ordem especulativa ("A ONU deixou de ser relevante?", por exemplo), mas
também outras que dizem respeito às limitações da cobertura
jornalística ("Quantos morreram na guerra?", "O que aconteceu aos escudos humanos"?).
O que mais chama a atenção é
a quantidade de interrogações
que permanecem no ar, apesar
de o conflito ter-se praticamente
encerrado e de nunca ter existido, em confrontos anteriores,
presença tão ampla da mídia
-horizontal e verticalmente-
no "teatro das operações".
É natural que a elucidação de
muitos dos eventos da guerra leve um tempo. Os meios de comunicação, nesse caso, ainda têm
muito trabalho pela frente.
Mas o buraco, como se diz, fica
mais embaixo.
Como escreveu recentemente o
ombudsman do "Washington
Post", Michael Getler, muitas teses e estudos serão realizados para avaliar o desempenho do jornalismo no conflito, em especial
o programa do Pentágono de
"encaixar" nas tropas cerca de
600 correspondentes.
Parece desde já fora de questão, porém, que a tradicional independência da mídia norte-americana foi nitidamente abalada pelo apoio (mais ou menos
aberto) que prestou ao governo
dos EUA, mesmo em seus mais
sólidos bastiões (como o próprio
"Post" e o "New York Times").
E nisso o papel dos "encaixados" (identificados, muitas vezes, com os suores das tropas
conterrâneas) -ou seja, do noticiário e não apenas dos editoriais de opinião institucional-
não foi, certamente, secundário.
O secretário da Defesa dos
EUA, Donald Rumsfeld, parece
ter colhido, além da vitória militar, uma outra: transformar os
correspondentes de guerra em
aliados. E o preço disso para o
jornalismo, nos EUA e internacionalmente, ainda precisa ser
apurado.
Em relação a "engajamentos",
aliás, registro o curioso caso, relatado a mim pelo ombudsman
Yavuz Baidar, do diário "Millyet", da Turquia, de um correspondente desse jornal que foi
chamado de volta por seus chefes
por ter-se enfileirado como "escudo humano", ao lado das forças iraquianas, ao mesmo tempo
em que fazia sua cobertura supostamente isenta.
No caso da Folha, não se atingiu a exuberância jornalística de
uma cobertura como a dos atentados de 11 de setembro de 2001
nos EUA, mas o balanço, sem ser
excelente, é positivo.
Apesar da posição editorial
contrária à política adotada pelo governo Bush -refletida, a
meu ver de modo equivocado,
na vinheta "Ataque do Império", que causou queixas de muitos leitores-, apesar da pendência anti-EUA no cômputo dos
artigos sobre o assunto na seção
"Tendências/Debates" (página
A3) e dentre os colunistas, o jornal manteve-se isento no conjunto do noticiário.
Pareceu-me evidente o esforço
no sentido de publicar textos de
"ambos os lados" nos artigos, entrevistas e análises do caderno
dedicado à guerra, assim como o
de exibir as contradições entre as
informações divulgadas tanto
por Washington quanto por
Bagdá no decorrer das batalhas.
É preciso enfatizar mais uma
vez, no entanto, que o verdadeiro diferencial da Folha foi ter
mantido na capital iraquiana
dois enviados especiais -o repórter Sérgio Dávila e o fotógrafo Juca Varella- durante a
maior parte dos acontecimentos,
produzindo relatos e imagens
exclusivas.
Sem esse pesado investimento
-em dinheiro, ousadia editorial e coragem pessoal-, infelizmente o jornal não teria conseguido se diferenciar com nitidez,
em erros e acertos, dos diários
concorrentes.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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