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Loucos por números
O erro da Folha sugere algumas reflexões. Primeiro, e antes
de tudo: os jornais e os jornalistas adoram relatórios e números.
Se chegam, então, de agências internacionais, nem se dão ao trabalho de checá-los. Foi o que
aconteceu nesse caso. Pesquisas,
relatórios e estatísticas são grandes aliados do jornalismo. Ajudam a tirá-lo do impressionismo
e do achismo. Mas devem ser
usados com parcimônia e critérios senão causam indigestão.
Há um excesso de pesquisas e
relatórios nos jornais. Poucas vezes esses informes são tratados
com o cuidado que exigem. Deveriam ser vistos como matéria-prima a ser burilada, mas freqüentemente vão para as páginas como chegam.
Contei, de domingo até sexta,
27 reportagens na Folha baseadas em pesquisas ou relatórios.
Alguns foram manchetes, como
a de domingo passado que dizia
que "25% dos filhos da elite bebem demais". Não relacionei
nesta contagem os indicadores
econômicos diários.
A ânsia por números também
fica evidente em grandes coberturas de multidões. Como o jornal já não dispõe, como em outras épocas, do serviço de aferição do Datafolha, fica sujeito a
cálculos imprecisos, mas que
mesmo assim usa com destaque.
Foi o caso da Parada Gay, em
São Paulo, que teria juntado 1,5
milhão de participantes segundo
a PM. Como ela chegou a esse
cálculo, ninguém sabe. Todos os
jornais reproduzem e ponto. Minha opinião é que são chutes. Assim como são chutes várias estimativas que engordam os relatórios que consumimos. O problema não são os relatórios, mas
nós, jornalistas, que não sabemos questioná-los e usá-los.
Nesta semana, a Folha publicou outro relatório que me chamou a atenção. Assinado pelo
Departamento de Estado americano, dizia que o Brasil não pune
tráfico humano, o que é uma verdade. Mas trazia alguns números
questionáveis. Segundo o relatório, 75 mil mulheres e adolescentes brasileiras atuam em redes de
prostituição na Europa e 5.000
na América Latina.
Onde encontraram esses números? Como o relatório não dizia, pedi ajuda ao correspondente em Washington, Fernando
Canzian, que recebeu os dados.
Segundo o Departamento de Estado dos EUA, o número de
prostitutas brasileiras na Europa
é da ONU e do International Helsinki Federation for Human
Rights. E o das prostitutas na
América Latina, do Cecria (Centro de Referência, Estudos e
Ações sobre Crianças e Adolescentes), de Brasília.
Depoimento da coordenadora
do Cecria, Neide Castanha:
"Gostaríamos muito de ter uma
quantificação. Infelizmente, não
temos. Não trabalhamos com
números, nem sequer com estimativas. Jamais quantificamos".
E agora?
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