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OMBUDSMAN
Terno, boné, jóia, Rolls Royce
BERNARDO AJZENBERG
Uma das poucas certezas,
quando Lula tomou posse,
era de que o advento do ex-metalúrgico ao posto de presidente
da República criaria fatos simbólicos inusitados, alteraria o cenário do Planalto, do Alvorada e
da Granja do Torto. O desafio
era captar os detalhes que configuravam o novo "espírito" -e
isso valia para as figuras do presidente e da primeira-dama.
Destaquem-se a reativação da
churrasqueira do Torto, as peladas, a cadela Michele, o apego ao
contato direto com a população;
lágrimas, suor, barbas no poder.
Na última quarta-feira, porém, o noticiário deu sinais de
que, passados 180 dias, esse item
da pauta cobra uma revisão.
Naquele dia, todos os jornais
publicaram com enorme destaque em suas capas a gafe do cerimonial da Corte espanhola, que
fechou a porta do Rolls Royce
onde estavam Lula e Marisa logo depois da descida dele e antes
de que ela pudesse deixar o veículo também (veja ao lado).
Episódio curioso? Claro. Merecia registro? Sim. Mas é evidente
que houve exagero no espaço dado à divulgação de um evento
secundário, pelo qual nem o presidente nem sua mulher tiveram
responsabilidade.
Da mesma forma, explorou-se
à solta que Lula usou terno num
jantar de gala no qual a realeza
espanhola vestia casaca - fato
que, como informou o colunista
Clóvis Rossi na sexta, não só já
tivera antecedentes como estava
previsto, sem problemas, nos
acertos prévios de cerimonial.
Uma coisa é revelar, como fez
a Folha semanas atrás, o usufruto, pela primeira-dama, de serviços pessoais gratuitos, de jóias
cedidas (depois devolvidas) etc.
Isso diz respeito, sim, a uma
questão ética -e simbólica-
relevante.
O uso do boné do MST pelo
presidente da República também não deixou de expressar um
titubeio -tanto que Lula, agora, veste um boné atrás do outro
justamente para "diluir" aquele
dos sem-terra.
Estamos, até aí, no terreno da
crítica legítima, democrática; da
apuração jornalística polêmica,
mas saudável e necessária.
Já o tratamento dado aos casos
do Rolls Royce e da casaca -registre-se que a Folha não fez,
aqui, o pior papel- escorrega
para um outro terreno: o da gozação, da galhofa ou, para usar
o termo de uma leitora indignada, da simples esculhambação.
Passados os seis meses iniciais
do governo Lula, seria bom que
os jornais atualizassem o modo
de tratar aquela primeira questão, a dos símbolos. No mínimo
para não verem o que era legítimo jornalisticamente se deformar em instrumento de uma
oposição política que, para desgastar e desqualificar a figura
presidencial, agarra-se a qualquer pretexto.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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