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OMBUDSMAN
O trivial insosso
BERNARDO AJZENBERG
Há quem entre no jogo para ganhar; há quem entre
apenas para não perder.
Assim ocorre também no jornalismo diário. E, aqui, a diferença entre essas duas posturas
básicas é a de apresentar ao leitor um prato rico, diferenciado,
ou repetir-lhe o consensual, o arroz-com-feijão.
Exemplo de um jornalismo
que vai a campo só a fim de
cumprir tabela aconteceu no noticiário da última quarta-feira
sobre a posse do novo presidente
da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), em Brasília.
Ali estavam o presidente da
República, 11 ministros, 500 empresários, além do deputado federal José Dirceu (PT) e do vice
de Lula, José Alencar (PL).
A reportagem da Folha sobre o
evento ("Pessimismo "irrita", diz
presidente") ocupou 84 linhas,
cercando um boxe (texto menor)
com 44 linhas. Desse total de 128
linhas, 121 eram dedicadas a palavras de Fernando Henrique
Cardoso.
A fotografia a ilustrar a cerimônia -imagem previsível,
protocolar- mostrava FHC
cumprimentando o deputado
Armando Monteiro (PMDB),
novo comandante da CNI, e só.
Mesmo tendo o jornal enviado
ao local do encontro quatro repórteres, além do fotógrafo, o leitor da Folha não ficou sabendo
que Dirceu se sentou durante todo o evento na primeira fila ao
lado do empresário Antonio Ermírio de Moraes (o maior apoiador assumido da candidatura de
José Serra no meio industrial), o
qual também discursou.
Que o ministro da Fazenda,
Pedro Malan, cumprimentou o
presidente do PT, mão estendida
e sorriso no rosto, contra uma face carrancuda do outro lado.
Tampouco ficou sabendo o que
diz e o que pensa o próprio presidente da CNI, estrela principal,
em tese, do acontecimento.
Interrogações
Ora, alguém é capaz de imaginar que um encontro desse porte, com tal mistura de gente, a 12
dias do segundo turno, só propicie de interessante para conhecimento do leitor um discurso presidencial, por mais contundente
que este possa ter sido? É subestimar demais a realidade.
Dirceu e Ermírio conversaram? Não se sabe. Quem mais
discursou? Não se sabe.
Por que não havia ali ninguém
da cúpula do PSDB ou da campanha de Serra, fora, obviamente, FHC? Ou havia? Não se sabe.
Malan disse algo a Dirceu ou a
Alencar? Não se sabe.
Dirceu aplaudiu FHC e Ermírio? Não se sabe.
Dentre as centenas de empresários presentes, havia alguns
com "bottons" desse ou daquele
candidato? Qual era o "clima"
entre eles? Não se sabe.
A Folha bateu o recorde de
ocupação de espaço com FHC na
reportagem sobre o evento, mas
os outros jornais não fizeram
muito diferente -à exceção do
"Globo", que mostrou imagens
de Dirceu com Ermírio e com
Malan, inclusive na sua capa.
Eis um jornalismo de agenda,
cego ante o imprevisto, incapaz
de captar humores, desprovido
de observação viva, insensível
diante do significado político e
simbólico de movimentações
inesperadas.
Será que os leitores não merecem mais do que esse insosso trivial variado, cuja ausência de
inspiração nenhum Romanée-Conti seria capaz de compensar?
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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