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OMBUDSMAN
O caso Ibsen Pinheiro
MARCELO BERABA
A revista "IstoÉ" publicou,
na semana passada, uma
reportagem de capa em que pretende fazer justiça ao ex-deputado Ibsen Pinheiro, cassado em
maio de 1994 pela Câmara. Na
capa, em letras fortes, a revista
considera que Ibsen foi "massacrado": "Como o mau jornalismo transformou US$ 1 mil em
US$ 1 milhão e levou à cassação
de um forte candidato a presidente do Brasil".
Dentro, a revista traz o seguinte enunciado: "A verdade aparece - Onze anos depois de ser cassado, Ibsen Pinheiro descobre
que mau jornalismo provocou
seu martírio".
A principal peça de revisão do
julgamento do político é um depoimento de Luís Costa Pinto,
em 1993 repórter da revista "Veja", em Brasília. No texto, cedido
por Ibsen à "IstoÉ", Pinto declara que recebeu de Waldomiro
Diniz, então assessor da CPI do
Orçamento, a informação de
que Ibsen transferira US$ 1 milhão de um conta da Caixa Econômica Federal para outra,
também sua, do Banrisul. Pinto
não refez a operação da conversão da moeda para o dólar e enviou a informação, como a recebeu, à edição. Ainda segundo
ele, de madrugada o programa
de checagem da "Veja" percebeu
que a conversão estava errada e
que Ibsen transferira apenas
US$ 1.000.
Segundo Luís Costa Pinto,
mesmo assim a revista decidiu
distribuir a edição com a reportagem errada. Ele atribui a esse
fato a cassação de Ibsen. "O texto de "Veja" repercutiu nos jornais por dois dias, a dolarização
incorreta foi protocolarmente
corrigida pela CPI na semana seguinte, mas Ibsen fora arrastado
definitivamente para o centro
das investigações."
Contestação
Há algo de errado nessa revisão da história e, antes que vire
um novo caso emblemático da
irresponsabilidade da imprensa,
é bom que seja mais bem estudado e analisado.
Não tive condições de fazê-lo
como gostaria, mas há alguns
aspectos que precisam ser levados em conta. Li os depoimentos
e artigos que saíram ao longo da
semana e busquei, no Banco de
Dados do jornal, as edições de
"Veja", "IstoÉ" e da Folha daquele período, novembro de
1993.
O fato que mais chama a atenção está no depoimento do jornalista Adam Sun. Segundo Luís
Costa Pinto, Sun teria detectado
o erro, avisado à direção da revista e, mesmo assim, a revista
teria rodado com a cifra milionária.
Adam contesta o depoimento
de Luís Costa Pinto. Segundo ele,
houve de fato, naquela madrugada, a detecção de um erro de
conversão de moeda, mas não
daquela ordem de valores e, segundo garante, por essa razão a
informação foi descartada e não
constou da reportagem final.
O valor de US$ 1,1 milhão que
a "Veja", a Folha e outros jornais utilizaram não provinha da
transferência entre as duas contas de Ibsen, que realmente era
insignificante, mas da sua movimentação bancária entre 1989 e
1993.
A "IstoÉ" não usou esse total,
mas relacionou, na edição que
circulou na mesma semana da
reportagem da "Veja", valores
movimentados por Ibsen que
chegavam perto da cifra de US$
1,1 milhão fornecida pela CPI.
Esse número foi corrigido nos
dias que se seguiram, mas o valor que permaneceu ainda era
alto. Ibsen conseguiu explicar algumas movimentações, não todas. E sua situação complicou-se.
Ambiente político
Não foi o erro do repórter
-que, segundo a "Veja", nem
sequer foi publicado- que cassou o mandato de Ibsen Pinheiro. Ele foi cassado, segundo a representação da Mesa da Câmara, porque "comprovou-se a prática de atos passíveis de caracterizar incompatibilidade com o
decoro parlamentar, notadamente o enriquecimento sem
causa e prática de infração fiscal".
Ibsen era acusado de "movimentação bancária e variação
patrimonial não condizente com
os rendimentos declarados", de
remessa de dinheiro para o exterior e de sonegação fiscal.
É possível que ele fosse inocente e que o julgamento tenha tido
um curso exclusivamente político? É possível. O momento era
extremamente tenso e radicalizado. Mas a história dos 1.000
dólares que viraram um milhão
não se encaixa bem até agora.
A antropóloga Carla Costa
Teixeira, da UnB (Universidade
de Brasília) e do Núcleo de Antropologia da Política, estudou o
caso Ibsen Pinheiro no livro "A
Honra da Política - Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato no Congresso Nacional (1949-1994)", editado em 1998 pela editora Relume Dumará.
A propósito da cassação do deputado, ela escreveu: "(...) suas
explicações truncadas, a contratação de uma empresa particular de auditoria para ajudá-lo a
explicar sua movimentação
bancária e os seguidos adiamentos de seu depoimento à CPI foram decisivos para o domínio
crescente de uma opinião, dentro e fora do Congresso Nacional, pela sua culpa".
Denuncismo
Não há dúvida de que a imprensa, e não só a "Veja", errou
na época. Não sei se nesse episódio, mas é certo que a corrida pela informação exclusiva e o que
se convencionou chamar na época de "fúria denuncista" provocaram erros não corrigidos e injustiças.
No caso levantado pela "IstoÉ"
na semana passada, de concreto
mesmo, até agora, vejo dois pontos. Primeiro, Luís Costa Pinto
errou, porque ele mesmo confessou um erro. Segundo, não foi esse erro confessado que condenou
e cassou o mandato de Ibsen Pinheiro. No mais, como disse, é
uma história que precisa ser
mais bem contada.
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