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OMBUDSMAN
Heresia e fé
BERNARDO AJZENBERG
A três semanas do primeiro turno de uma eleição presidencial marcada pela imprevisibilidade, a Folha já adiantou as linhas gerais do balanço que
faz da sua cobertura -pelo menos sobre o mais delicado aspecto que ela envolve: a isenção política do noticiário.
Esse é o significado principal do artigo "Árvores abatidas", do
editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, publicado domingo passado como réplica às críticas de minha coluna do último
dia 8.
Nela eu identificava que, durante toda a primeira semana de
setembro, as edições do caderno
Eleições constituíram um "ciclo
pró-Serra", em detrimento especialmente das candidaturas de
Lula e de Ciro Gomes.
Alertava, então, para o risco
que esse desvio, caso não fosse interrompido, representava para a
credibilidade do jornal.
Na visão de Barros, ao avaliar
um número restrito de edições,
sem fazer a crítica em perspectiva do conjunto da cobertura, o
ombudsman omitia o principal.
Via a árvore, mas não a floresta,
usando tal "conduta" para "pôr
a independência editorial da Folha em questão", para "sustentar
uma tese que falseia o sentido geral da cobertura".
Com três exemplos buscados
no primeiro semestre, o editor
procurava mostrar que o jornal
publicara também material com
conteúdo anti-Serra.
Abismo
Jornal é um organismo vivo. É
produto do momento, não história ou profissão-de-fé. Seja para
noticiar um simples fato, seja para coberturas prolongadas.
Em especial no caso dessas últimas -como é a campanha
eleitoral-, a existência do ombudsman só faz sentido se ele,
apoiado nos leitores e em seu
próprio senso crítico, puder
apontar anomalias a "quente",
antes que estas se transformem
em injustiças sem volta.
Barros sabe que a coluna analisava o jornal num momento
preciso, sem ser uma "tese", uma
apreciação global sobre a sua
política de isenção.
Até porque não há como fazer
seriamente o balanço do comportamento de um jornal nas
eleições antes da edição do dia
em que os eleitores vão às urnas.
Ainda mais numa corrida
marcada por ondas e reviravoltas, parece presunçoso demais
descartar que a reta final possa
trazer novas surpresas e, por isso
mesmo, novos desafios para o
jornal.
Talvez o jornalista se tenha
obrigado a puxar a discussão
para o campo que ele chama de
"floresta" ao não achar no período por mim abordado exemplo
de peso favorável à sua avaliação positiva pré-fabricada.
O que escrevi, além disso, nem
de longe fechava a possibilidade
de que o jornal viesse a cometer o
mesmo deslize (parcialidade)
em favor de outro candidato.
Seu próprio texto, aliás, cita
coluna minha de 26 de maio
com alerta semelhante, só que
em relação ao PT ("na semana
que passou, os marqueteiros do
PT puderam respirar aliviados,
ao menos quanto à Folha").
Por que daquela vez não existiu réplica sobre árvores e florestas? Talvez porque tenha havido
sensibilidade para ver que ali
não estava "tese" alguma, mas
um "retrato de momento" (expressão que o editor usa depreciativamente) quem sabe útil à
reflexão.
Há um abismo entre a intenção de produzir um jornalismo
crítico e o fato de efetivamente
conseguir realizá-lo. Este requer
um esforço árduo, minucioso, de
conjunto. Para aplicar os seus
princípios, a mesma vigilância
tem de ser usada em toda parte,
da legenda de uma foto à manchete da Primeira Página. Um
simples título enviesado basta
para se acender a luz amarela
-quanto mais uma sequência
de edições.
Por isso, posto que a isenção
não resulta de revelação divina,
questionar a independência da
Folha em certo momento não é
heresia. Ao contrário. Faz lembrar que ela tem de ser conquistada e posta à prova a cada dia.
Risco
Em seu texto, Barros insinua
que o ombudsman criticou o jornal por "serrismo" apesar de ter
calculado o risco de que sua coluna poderia ser usada, como
foi, pela campanha petista.
Ora, precisaria o editor ser
lembrado de que Paulo Maluf
também já usou críticas do ombudsman? De que usos semelhantes -mais ou menos oportunistas- sempre houve, desde
que existe ombudsman na Folha? Aqui, ele só viu a árvore.
De novo sobre PT, meu colega
afirma: "Espera-se de um jornal
como a Folha que deixe um pouco de lado a fantasia publicitária
e lance alguma luz sobre as contradições e problemas do discurso e dos governos petistas".
Ótimo. Ainda é tempo, porque,
até agora, ela não foi capaz de
produzir tal luz, senão em versões bastante pálidas.
Obsessão
Será que a autoconfiança da
Folha teria atingido um ponto
tal que, para ela, toda ponderação sobre parcialidade só poderia vir de ciristas obtusos ou petistas furibundos disfarçados de
leitores? Isso é arrogância.
O jornal conhece o caminho
que leva à credibilidade e o
quanto é penoso percorrê-lo.
Mas dá sinais de que não sabe
como é fácil perdê-la.
Até hoje, ao longo dos anos,
com mais acertos do que erros, a
Folha soube se preservar dessa
experiência. Mas isso só aconteceu por se ter valido, quase fanaticamente, de autocríticas imediatas e avaliações severas
-justificando por muito tempo,
inclusive, a fama criada entre os
jornalistas de que trabalhar neste jornal implica ter a pele dura,
bastante dura.
Nessa linha de saudável obsessão, não foi outro o sentido da
criação da figura do ombudsman pelo jornal treze anos atrás.
Por sorte, com a de hoje, o leitor
terá ainda catorze edições até o
primeiro turno. Parece pouco,
mas, felizmente, não é.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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